W. J. Solha
Este é o leve, irônico, profundo escritor judeu porto-alegrense Moacyr Scliar, 73 anos, 60 livros, Prêmio Casa de Las Americas, Prêmio da APCA – Associação Paulista dos Críticos de Arte –, detentor de três Jabutis, e que tem “O Centauro no Jardim” na lista dos cem melhores livros de temática judaica dos últimos duzentos anos, feita pelo National Yiddish Book Center: E este é um de seus romances, o que acabo de ler com um prazer enorme:
Freud atribuía a existência da expressiva quantidade de judeus brilhantes – Einsten, Kafka, Trotsky, Gershwin, Sarah Bernhard, etc – à cultura repressiva de que são vítimas, demasiado teocêntrica. Não por acaso, Moacyr Scliar é primo de outro grande artista, o pintor Carlos Scliar, também gaúcho (de Santa Maria), de cujas naturezas-mortas gosto muitíssimo:
Mas não sei se Freud estava certo, nessa observação, pois se Marx era judeu, os Irmãos Marx – Groucho, Arpo, Chico e Zeppo – também eram. E eu vivia às gargalhadas com o maestro José Alberto Kaplan, para quem escrevi os muito sérios versos da “Cantata pra Alagamar”...
... além do que assisti – quando trabalhava em publicidade – a um excelente documentário sobre o fino humor judeu na propaganda européia e americana, e agora me diverti – e muito – com este “A Mulher que Escreveu a Bíblia”, do Moacyr Scliar. Não sei como ainda não fizeram um filme baseado nele, pois – à frente de uma narrativa grandiosa como pano de fundo, a do Pentateuco - sua inesperada narradora – a tal escriba – é tão genial quão sensual e... feíssima. Gozadíssima. Pensem na Zezé Macedo, a grande parceira de Oscarito...
... com um corpo assim...
... e a cabeça a mil, pois é o único ser humano com vagina, na bíblica Israel, que sabe ler... e escrever! Por sinal, muitíssimo bem.
O autor, judeu, não respeita o centro vital de seu povo – a Bíblia? Sim, respeita, como todo escritor respeita um grande texto. No mais, domina-o a vontade de brincar em cima do Livro, centralizando sua estória na paixão dessa mulher horrorosa pelo belo rei Salomão (de quem se torna uma das setecentas esposas, fora as trezentas concubinas que ele tinha... e de que já não dava conta). Apaixona-se pelo belo rei... que – depois de avaliar o corpão da recém-chegada – pede que ela retire o véu do rosto... e toma um puta de um susto. A coitada está subindo pelas paredes, com um tesão sem tamanho, mas seu obscuro objeto de desejo, quando ela o tem à sua disposição (depois de uma revolta que levantara no harém pelo direito de pelo menos uma trepada)... broxa.
É de rolar de rir a versão que a escritora – ao ser obrigada por Sua Majestade a escrever o Gênesis – faz da história de Adão e Eva, criando um casal entusiasmadíssimo pela descoberta do sexo. Mais ainda quando o chefe dos anciãos que o rei nomeara como seus censores, abre a roupa ante a autora e lhe mostra o efeito brutal do texto que ela criara, efeito notável, depois de anos de impotência.
Caramba, a vontade é a de contar a história toda, mas fico por aqui, com uma comparação: esse romance tem muito do estilo Monty Python, o grupo inglês que produziu – entre outros grandes sucessos - o filme
... que começa com os reis magos entregando o ouro, incenso e mirra ao recém-nascido da manjedoura vizinha à de Jesus, engano de que resulta grossa pancadaria para que se repassem os presentes pra seu verdadeiro destinatário.
“A Mulher que Escreveu a Bíblia” é ótimo pra quem conhece as Escrituras. Melhor ainda para quem nunca as leu e nem lê porra nenhuma. (30-08-2010)
W. J. Solha Escritor, dramaturgo, ator e poeta paulista, radicado na Paraíba. wjsolha@superig.com.br
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