segunda-feira, julho 19, 2010

Sutor Ne Supra Crepidam

José Virgulino de Alencar

O pintor grego Apeles(352 – 308 Antes de Cristo) é tido como autor da frase famosa, título desta crônica. Lenda ou não, conta-se que o pintor teve criticado um quadro seu por um sapateiro, que opinou sobre uma sandália de um personagem da pintura e estendeu sua crítica por toda a tela.

Apeles, de imediato, protestou, recomendando ao sapateiro que não opinasse além das sandálias, por seu ofício de sapateiro, soltando a frase: “sutor ne supra crepidam”, ou seja, “sapateiro, não vá além das sandálias”. Enfim, não emita opinião sobre o que não sabe. A frase virou aforismo, usado para aconselhar as pessoas a se limitarem a falar sobre o que entendem, não devendo ir além de seu parco conhecimento.

É da natureza humana essa mania que se tem de querer opinar sobre tudo. Do peão caipira ao gênio intelectual, todos se permitem emitir conceitos e opiniões sobre qualquer assunto, mesmo que no final não fale “coisa com coisa”, como diz o vulgo.

Há realmente sapiência nos ditos populares, nos aforismos até com um certo cunho filosófico criados por pessoas com pouquíssima instrução, mas com admirável capacidade de pensar. Porém nem tudo tem consistência de raciocínio.

Do brasileiro, por exemplo, diz-se que ele tem muito de médico, de político, de jurista e de técnico de futebol, entre outros possíveis conhecimentos. Receitar remédio para o amigo que se queixa de qualquer incômodo já é mania nacional. Todo mundo tem pronta a indicação de um medicamento para o mal que se lhe apresente.

Na política, a falação se estende por princípios, comportamentos, ética, moral, onde todo mundo defende um verdadeiro paraíso para o País, mas, no fim, nossa pátria amada está mesmo é para aquela fase de reparação de pecados que antecede a entrada no céu.

Em matéria jurídica, a discussão é acalorada sobre os vários ângulos do direito, proliferando constitucionalistas de todos os matizes dando lições sobre o que diz a carta-magna, embora ninguém, nem os juristas de fato e de direito, a costumem respeitar. Lei no Brasil soa como brincadeira de mau-gosto, havendo leis que “pegam” e leis que não “pegam”, mais estas do que aquelas.

No futebol, a pitacada vai longe, tendo todo mundo o seu time na cabeça, suas táticas, as armações em campo, os jogadores que devem ser escalados. A análise dos lances polêmicos são feitas com uma falação apaixonada, só não convencendo porque o ouvinte debatedor tem suas também inconvincentes interpretações. Na opinião pública, ninguém se entende sobre o futebol e, no campo, o preferido esporte do brasileiro já não encontra entendidos no domínio da bola e das táticas, fazendo hoje, o nosso futebol, um belo papelão no chamado tapete verde.

Diante, então, de tanta exibição de sapiência generalizada, a gente, cá com nossos botões, ouvindo as explanações de tanto conhecimento das coisas, vendo muito abelhudo opinando sobre as sandálias dos personagens da vida e se estendendo por toda a tela da informação, muitas vezes exigente de especialidade, dá vontade de repetir Apeles e gritar: “sutor ne supra crepidam”.

Essa vontade é maior, quando vemos altos responsáveis em altas responsabilidades públicas para as quais não estão, e isso é flagrante, preparados para assumi-las e conduzi-las, elaborando raciocínios que provocam uma verdadeira guerra nos seus neurônios, por tanta dissonância e contradição dos superficiais argumentos e das idéias conflitantes.

Em bom português, aconselhemos os ilustres sabichões do falso conhecimento: “Sapateiro, não vá além das sandálias”.

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