
José Virgulino de Alencar
O governo(?) Lula, ao assumir em 2002, lançou demagógica e hipocritamente um programa denominado “Fome Zero”. Como muitas outras pirotecnias jogadas para a plateia, o programa não saiu do zero, enquanto a fome aumentou com o crescimento da população de pobre para miserável.
Fome X Comida virou um jogo, uma disputa de empurra-empurra dentro da administração petista e o que pouco interessou para o pessoal do poder foi a fome do pobre e a geração de comida.
Assim, nesse jogo Fome X Comida o score está empatado em zero a zero, porque o Programa do governo não saiu do zero e a comida na mesa do povo continua no placar zero. 40 milhões de brasileiros estão abaixo da linha da pobreza, ou seja, vivem na miséria e são tão excluídos do sistema que não têm condições sequer de se inscreverem no bolsa-esmola, não conseguem chegar nem perto dos órgãos e pessoas que administram o programa.
São desvalidos e desassistidos totais, esquecidos, abandonados, são verdadeiros fantasmas para a estrutura de poder, ninguém os vê, ninguém os toca, ninguém sente sua presença. São invisíveis aos olhos do sistema.
Contudo, eles são humanos, de carne e osso, de alma e sentimento, com necessidades físico-biológicas, têm fome, sede e vontade de comer. Excluídos, desinformados, às vezes conformados, não deixam entretanto de pensar, sabem, mesmo intuitivamente, que em algum lugar tem comida, tem gente se alimentando bem, até jogando fora sobras de alimentos que os pobres catam nos lixões, juntos com os urubus.
O baixíssimo entendimento das coisas não lhes tira a mínima capacidade de saber que aquele lixo vem de camadas que são donas das riquezas.
Essa situação foi bem retratada num poema de Manuel Bandeira, intitulado “O bicho”, que transcrevo:
“Vi ontem um bicho/Na imundície do pátio/Catando comida entre os detritos.
Quando achava alguma coisa,/Não examinava nem cheirava:/Engolia com voracidade. O bicho não era um cão,/Não era um gato,/Não era um rato.
O bicho, meu Deus, era um homem”.
O primor na sensível criação de Manuel Bandeira não é maior do que a primorosa descrição de uma triste realidade, viva, presente, sentida, porém esquecida, primeiro, pelas instituições constituintes do poder, segundo, pela própria sociedade, um contingente de humanos privilegiados, talvez também sensíveis individualmente, que, em conjunto, forma o que um pensador definiu como um monstro de múltiplas cabeças.
Essa entidade chamada sociedade não consegue raciocinar em conjunto, não se sensibiliza sobre o grande perigo que ronda sua fortaleza, não vê o outro monstro também de múltiplas cabeças que se forma para além dos luxuosos cercados, que embora também não pense em conjunto, age espontaneamente como manada, sem controle, simplesmente despertado pelo grito mais alto de um desesperado que chegou ao limite da tolerância.
É assim que a casa começa a cair, com conseqüências trágicas, com carnificinas, que não trazem solução para o problema. Nesse caso, não há vencedores, todos perdem. O breque nessa fatalística situação que corre sem controle como caminhão sem freio, na banguela ladeira a baixo, está no despertar do sistema de poder para essa realidade, tanto quanto da sociedade que tem em mãos todos os bens, muitos de seus destacados membros tendo bem mais do que necessitam.
É urgente, então, a instituição de mecanismos legais, estruturais, de um sistema tributáio distributivo, de divisão de bens, de renúncia do excessivamente supérfluo, permitindo-se a distribuição dos excedentes para os menos favorecidos, não com esmolas e doações sem contrapartida, mas com renda usufruída do trabalho produtivo, da geração de mais riquezas e maior capacidade de divisão.
Do contrário, o empate Fome 0 X 0 Comida terá a sua virada num segundo tempo, quando o time da Fome entrará com bola e tudo no gol do time da Comida.
Com certeza, esse jogo não terminará zero a zero.
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