
Comecei por escrever um comentário ao artigo da Marli Gonçalves. Mas não controlei minha prolixidade e acabei por gerar este artigo sobre o mesmo tema, obviamente sem seu brilho e competência. Enquanto lia, fui assaltado por uma antiga e penosa sensação, que tantas vezes me afligiu durante a ditadura. Naquela época negra, os donos do poder decidiam sobre tudo. Censuravam boçalmente a imprensa e proibiam o que consideravam “subversivo” ou “atentatório à moral e aos bons costumes”. Um livro do Rubem Fonseca (por “conter palavrões”), os artigos do Art Buchwald, (aliás publicados originalmente no Washigton Post, por criticarem o ataque americano ao Vietnã), a exposição das gravuras eróticas de Picasso (por esta honra o mestre não esperava) e até a exibição do balé Bolshoi (que entendiam ser “propaganda comunista”).Vinha-me então a tal sensação dolorosa, que eu, desanimado, expressava assim: “é, a imbecilidade ganhou a guerra...”
Mas finalmente a sociedade brasileira conquistou a democracia, mesmo tendo de engolir sapos do porte de Sarney e Collor. Estamos livres, podemos falar abertamente, ver o filme, ler o livro, visitar a exposição que quisermos. Não é uma maravilha? Ai, mas o destino cruel haveria de turbar o brilho dessa conquista com um ataque pelo qual jamais esperávamos, e que, de certa forma, se deveu justamente à ausência da censura. Ataque proporcionado infelizmente por aquilo que se pretendia como instrumento da democratização universal, a Internet. Os imbecis de plantão aproveitam-se do anonimato da rede e da facilidade de enviar qualquer coisa para qualquer pessoa, e entulham nossas caixas de entrada com todo tipo de lixo, de cavilosas exortações de auto-ajuda a tediosas considerações sobre o nada, ilustradas por fotografias e com fundo musical.
Se fossem apenas chatos, isso seria o de menos. Os chatos são uma fatalidade, da mesma ordem dos pernilongos, da falta d`água e do vizinho mal-educado. O problema é que são ignorantes e desonestos. Como sabem que não sabem escrever, alinham considerações bobocas em estilo mazorro e, com vergonha de confessar a autoria, atribuem-na a colunistas e escritores consagrados – Arnaldo Jabor (que teimam em grafar “Jabour”), Lia Luft, Cora Rónai, Veríssimo etc. etc., ou a escritores como Mário de Andrade, João Ubaldo Ribeiro e até Gabriel Garcia Marques – um inadmissível sacrilégio contra o imenso Gabo. O efeito multiplicador dessa infâmia é fantástico. A maior parte dos recipientes é gente de pouca leitura. Ouviu dizer que esses nomes (de gente que escreve nos grandes jornais, ou que aparecem em feiras de livros e nas antologias colegiais), toma o texto falso por autêntico (provavelmente sequer é afetado pela dúvida) e o repassa para muitas outras pessoas. Pergunto: será esse o preço que temos de pagar pela velha e boa democracia? Já não bastam os deputados e pastores corruptos, as bobices do Lula, o horário político e a obrigação de votar? Caramba, parece que fomos fadados, para sempre, como diria o João Saldanha, a comer o mingau pelas beiradinhas.
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