terça-feira, abril 20, 2010

Manaíra: Vidraças Quebradas – Retrato da Incompetência

João Arlindo Corrêa Neto

O Medo encontra-se estampado no rosto das pessoas e se cristaliza de forma brutal na paisagem urbana das grandes e médias cidades do Estado da Paraíba, refletindo uma tendência nacional do aumento da criminalidade pela falta de uma política de segurança pública e pela tolerância, conivência ou despreparo das autoridades constitucionalmente destinadas para prevenir, reprimir e debelar o crime.

Exemplo clássico desse descalabro é a cidade de João Pessoa, em especial o Bairro de Manaíra, palco recente de mortes, roubos, sequestro, furtos, estupros e linchamentos. No recente caso do linchamento de assaltantes, cidadãos comuns, cumpridores da lei, em desespero, ousam fazer justiça com as próprias mãos, tendo em vista, o vácuo deixado pelo Estado. Um alerta assustador!

As ruas estão desertas, os muros cada vez mais altos e as casas guarnecidas por cercas elétricas, cães de guarda e vigilantes especialmente contratados.

Enquanto isso o poder público usa um discurso ambíguo e frágil, adota “operações” pictóricas e enreda-se, cada vez mais, na teia da incompetência e da mentira.

Vivemos um cenário perfeito para que haja um aumento da criminalidade e é bem provável que ocorra uma elevação no florescimento do número de crimes sérios ou ataques violentos.

Quando os residentes modificam o seu comportamento de acordo com a necessidade, neste caso, falsa segurança de proteção, as ruas passam a ser território dos marginais, drogados, gangues, prostitutas, proxenetas e traficantes. Estamos no estágio onde as ruas estão desertas, as praças sem frequência e as pessoas enclausuradas em suas residências, movendo-se prevenidos, em silêncio e a passos apressados. Vizinhos não se conhecem! “Não se envolver” passou a ser a regra.

Essa auto-segregação é o combustível que faltava para o aumento da criminalidade. Em resposta ao medo, as pessoas evitam-se umas às outras, enfraquecendo os controles. Às vezes as pessoas acuadas chamam a polícia. Viaturas vêm, ocasionalmente uma prisão é feita, mas os crimes continuam a acontecer e a desordem não é diminuída.

Os cidadãos reclamam, os discursos vazios se repetem: efetivo pequeno; falta de combustível; que a justiça não pune pequenos ofensores ou criminosos primários; as penitenciárias estão lotadas. Quando um crime grave ocorre, agora semanalmente, viaturas passam a circular nas ruas com o “giroflex” ligado e em alta velocidade e uma ou outra “prisão” é efetuada.

No fundo, não há “prisão” alguma... Os próprios “comandantes” das favelas e lugares marginalizados entregam o autor para que não sejam perturbados, doravante.

O Estado necessita sair dessa inércia e apresentar um plano de segurança pública e este deverá instituir a política das vidraças quebradas e da tolerância zero. Urge que as instituições responsáveis pela prevenção, combate e repressão ao crime estejam irmanadas. Hoje, vivemos uma “Babel”! Os órgãos atuam isoladamente, Polícia Federal; Polícia Rodoviária Federal; Polícia Civil; Polícia Militar; Ministério Público e Poder Judiciário, salvo em operações de grande porte, não estão conectados, agem de forma desconexa.

A desordem e crime estão inextricavelmente ligados, em um tipo de sequência de desenvolvimento. Psicólogos sociais e policiais especializados tendem em concordar que se uma janela em um prédio é quebrada e deixada sem conserto, todas as demais janelas brevemente serão quebradas. Isso é verdade tanto em boas comunidades quanto em comunidades decadentes. A quebra de janelas não necessariamente ocorre em uma larga escala, pois algumas áreas são habitadas por determinados “quebradores de janelas” enquanto que outras são povoadas por “amigos de janelas”; especificamente, uma janela não consertada é um sinal de que ninguém liga, e então quebrar mais janelas não custa nada.

Segundo James Q. Wilson e George Kelling, na obra The Atlantic Monthly; Março 1982; Broken Windows; o “cidadão que teme o bêbado mau cheiroso, o adolescente encrenqueiro ou o mendigo importunador, não está apenas expressando seu desgosto por um comportamento inadequado; ele está também dando um pequeno recado para as pessoas de bom senso do que acontece no que parece ser uma correta generalização – ou seja, que crimes sérios florescem em áreas onde comportamentos desordeiros ficam sem cuidados. O pedinte é, em verdade, a primeira janela quebrada. Assaltantes e ladrões, se oportunistas ou profissionais, acreditam que reduzem suas chances de serem presos ou mesmo identificados se operarem nas ruas onde suas vítimas potenciais já estão intimidadas por condições prevalecedoras. Se o bairro não consegue manter o impertinente pedinte longe de importunar os transeuntes, o ladrão pode concluir que é muito menos provável que chamarão a polícia para identificar um potencial assaltante ou interfira se um assalto estiver em andamento”.

Na mão inversa, quando a polícia deixa de cumprir a sua destinação constitucional e se acovarda, é conivente ou incompetente, compactuando com a desordem reinante, estimula que outras vidraças sejam quebradas. O ato criminoso de um cidadão influencia atos seguintes de outros, ao não haver punição. Essa teoria justifica que se reprima o crime tão logo ele aconteça, a fim de que outros crimes piores não acabem acontecendo.

Tal concepção está no sucesso da política de tolerância zero implantada em New York pelo Prefeito Rudolph Giuliani, no início dos anos 90 e em Medelim, na Colômbia. O trabalho dos cientistas políticos acima citados, James Q. Wilson e George Kelling, parte das ideias de que se uma vidraça quebrada de um edifício não é logo substituída, a aparência de desleixo fará com que as pessoas se sintam motivadas a quebrar outra, determinando uma sequência, que em pouco tempo terá destruído todos os vidros.

É necessário a tolerância zero com qualquer infração, mesmo aquelas que pareçam insignificantes, para evitar-se a reação em cadeia e o surgimento de grandes ações criminosas.

Estamos em um estágio onde ainda há conserto, desde que, um plano de segurança pública seja efetivado de forma real e com o engajamento de todos os seguimentos da sociedade, em todos os níveis, verdadeiro pacto social. Cada um dentro dos limites de suas atribuições, entretanto, agindo interligados. É necessário que sejam deixados de lado as fogueiras de vaidade e a politicagem paroquial em prol da sociedade.

Caso contrário, as vidraças quebradas de Manaíra, retrato da incompetência do poder estatal em matéria de segurança pública, se espalhará por todos os bairros de João Pessoa e da Paraíba.

João Arlindo Corrêa Neto é Promotor de Justiça da Paraiba, Presidente da Associação Paraibana do Ministério Público.



Um comentário:

Ivan Galvão disse...

Belo artigo dr. Promotor. Simples e diretor ao ponto. Este blogue se enriquece com colaborações como esta. Diria que acima de tudo o que foi muito bem abordado o fator impunidade é da maior importância. Ivan