quinta-feira, março 04, 2010

UMA NOVELA SINISTRA

Do Jornal da Besta Fubana

JOCA SOUZA LEÃO


O prefeito do Recife sabe muito bem que prefeito, qualquer um, de qualquer lugar, não é nada mais nada menos que um mandatário. Também sabe, estou certo, o que mandatário quer dizer. “Aquele que recebe mandato ou procuração para agir em nome de outro; executor de ordens ou mandados, de atos autorizados pelo mandante, em cujo nome e sob cuja responsabilidade age. Exemplo: vereador e prefeito são mandatários do povo. Não inventei nada. Tá no Dicionário Houaiss (só os grifos e exemplos são meus).

Pois bem, quem ordenou, mandou ou autorizou que se construísse um shopping center na Tamarineira, em área tombada pelo patrimônio histórico estadual? O mandatário atual diz que não mandou, que nem sabia de nada (sic). Como a coisa foi feita à sorrelfa e já faz algum tempo, vai ver que se algum mandatário mandou, foi o anterior. Não interessa. Um ou outro, se alguém mandou, usurpou. Porque o povo e as entidades que o representam não foram consultados. E nem ele, o mandatário, tem poder para destombar nada.

Recebi dezenas de e-mails e telefonemas sobre a ameaça de construção desse shopping na Tamarineira. Nada a favor. Aliás, tudo, rigorosamente tudo, que vi, li e ouvi até hoje é contra qualquer coisa de pedra e cal que se pretenda construir ali. Uns mais, outros menos contundentes, mas todos contra. Se havia alguém a favor, não aparecia. Não botava a cara. Nem dava o nome. Era um projeto órfão.

Semana passada, finalmente, os protagonistas dessa novela sinistra saíram das sombras e botaram a cara ao lume. A Santa (e misericordiosa) Casa e a carioca Releasis Empreendimentos Imobiliários assinaram e publicaram uma nota conjunta, em que a primeira diz que alugou (não vendeu) e a segunda conta (como favas contadas) que vai construir um shopping.

A Santa (e misericordiosa) Casa pode muito, é rica e poderosa, mas, até onde se sabe, não permite ou deixa de permitir que se construa nada nesta cidade. E o comprador (ou inquilino, como revelaram agora), idem; também não permite ou deixa de permitir coisíssima alguma. Pelo menos é o que se imagina.

Eu disse anteriormente que o projeto do shopping era “órfão”. Mas, melhor dizendo, era de pai desconhecido. Era. Porque as investigações de paternidade revelaram fortes indícios de que o pai seria Dom José Cardoso Sobrinho, à época o mandão da Santa (e misericordiosa) Casa. Seguinte: tudo faria parte de um ardiloso plano de vingança de Dom Cardoso, que teria ido às forras contra o Recife, porque o povo amava Dom Hélder e o ignorava solenemente. (Posso, até, imaginá-lo lá no esconderijo onde se refugiou, vociferando com sua voz cavilosa: “A vingança será maligna!”).

Mas não tem nada perdido. Desde a década de 50 que a Santa (e misericordiosa) Casa ameaça vender a Tamarineira. E já naquela época, aqui mesmo neste JC, o cronista Mário Melo questionava a legitimidade dessa propriedade, citando documentos do século XIX, existentes no Instituto Arqueológico, Histórico e Geográfico. Recentemente, a historiadora e pesquisadora Virgínia Pernambucano de Mello desencavou um documento de 1925, do governo de Sérgio Loreto, que coloca a Tamarineira sob a gestão do Estado de Pernambuco.

Ora, ora, conterrâneos, como dizem os juristas, “o Direito é bom”: o mandatário não manda (e não mandou), a área é tombada e, de quebra, ninguém pode alugar o que não é seu.

À luta! À justiça! À vitória! Ao Parque Público da Tamarineira (sem shopping). E viva o tema da Campanha da Fraternidade 2010: Vocês não podem servir a Deus e ao dinheiro.


Joca Souza Leão é batizado, crismado, eleitor no Recife e morador do Espinheiro, bairro adjacente à Tamarineira.

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