segunda-feira, março 01, 2010

Praça dos Três Poderes?!

Hugo Caldas

De uma maneira ou de outra a Paraíba consegue me surpreender. No começo da semana passada descobri meio sem querer, que a Praça João Pessôa está sendo chamada "Praça dos Três Poderes". Fiquei absolutamente estupefato, pasmado, assombrado, preocupado e aturdido! O que estaria acontecendo com a gente da minha terra? Sei muito bem que as pessoas andam meio anestesiadas face os desmandos e maluquices do governo (sic) federal, mas ignorava que isso lhes iria afetar o bom senso. Portanto...

Não entendo a palhaçada!

Tudo começou quando a minha mulher, que é guia de turismo, me pediu algumas informações sobre a cidade, tais como: número de habitantes, logradouros mais conhecidos, por que o nome João Pessoa para a sua praça mais concorrida, etc. Naquela tarde estava programado um "City Tour" com uns estrangeiros que queriam conhecer a "Pequenina e Heróica". Ela ainda coletou mais alguns dados na Internet e veio então confirmar comigo se a Praça João Pessoa se chamava Praça dos Três Poderes!? É que existe, suprema babaquice, um resultado de busca na Internet com o título ridículo, "The Three Power Square", de uma idiotice fundamental. Decididamente tragicômico!

Atordoado, imaginando talvez alguma gozação, quase me indispus com a minha guia de turismo preferida. Quando da sua volta, à noite, ela me fala que realmente, ao indagar de algumas pessoas que estavam na praça, elas afirmaram categoricamente que o nome era aquele mesmo: "Praça dos Três Poderes!”

Aparvalhado, recorri então aos amigos conterrâneos! Anco Márcio, do site "Romance da Cidade", logo me socorre aconselhando-me a tranqüilizar o coração. Realmente o povo começou a usar essa denominação deletéria mas não é nada oficial. Na realidade a praça continua com o mesmo nome que nós conhecemos.

Mas logo a Praça João Pessoa, palco de uma tragédia que abalou a sociedade paraibana em 1921?! Logo a Praça das minhas brincadeiras de infância?!

Minhas tias-avós moravam na Rua Direita (Duque de Caxias), quase na esquina de "A União" e eu acompanhava a minha mãe nas suas visitas. Após as tomadas de "benção" de praxe sempre arranjava um jeito de escapulir para a praça aonde iria invariavelmente subir nos monumentos "Civismo", "Ação", "Nego", as belas figuras em bronze azinhavrado do grandioso monumento no centro da praça. Um homem nú, (João Pessoa?) com a bandeira a lhe cobrir as partes ditas pudendas me deixava intrigadíssimo. Anos mais tarde, já na adolescência, perplexo e curioso discutia com os amigos do colégio o uso da crase na divisa, "A João Pessoa A Paraíba". Em vão. Até hoje não sei lidar com crases.

Mas dizia eu que em 1921, a Praça João Pessoa foi palco de uma tragédia que abalou a sociedade paraibana e que resultou na morte de dois jovens, alunos da Escola Normal, (onde só estudavam meninas) e do Lyceu Paraibano. Os alunos dos dois colégios não podiam se encontrar. Para um maior controle, foi estabelecida, santa ignorância, a "linha da decência", uma invenção da mente doentia do diretor da Escola Normal, Monsenhor Milanez. Ninguém poderia cruzá-la sob pena de severa punição.

Os jovens Ágaba e Sady, ambos de famílias influentes, namoravam. Estavam apaixonados. Sady atravessou a linha proibida para falar com a sua amada e não parou à ordem do guarda. Após uma rude discussão o zeloso guardador da virtude das moçoilas da Escola Normal, terminou por atirar no rapaz que morreu em poucas horas. Ágaba deprimida, se suicidou cerca de dez dias depois. O trágico evento provocou a queda do Monsenhor e por pouco o prefeito da cidade não foi defenestrado do cargo. Coisas da minha terra.

O teatrólogo Elpidio Navarro escreveu uma peça sobre essa tragédia.

Antes do nome definitivo "Praça João Pessoa" ela foi: Largo da Igreja do Colégio, Pátio do Palácio, Largo do Comendador Felizardo, Praça Felizardo Toscano e Jardim Público quando era protegida por um gradil. Houve um tempo, em que sediava um coreto e realizavam-se alí, nas noites de domingo formidáveis retretas com a apresentação de bandas militares. O acontecimento, pela sua importância, reunia muita gente de todos os bairros da cidade. Havia um bonde especial que se destinava à Praça servindo as pessoas que de uma forma ou de outra participavam das performances.

Nos dias de hoje, a Praça é arrodeada de velhos e históricos prédios, como o Palácio da Redenção, a Faculdade de Direito, - Antigo Colégio dos Jesuítas - o Tribunal de Justiça, antiga Escola Normal. Ressalte-se que o edifício do jornal oficial do Estado, “A União”, foi criminosamente posto abaixo para dar lugar a essa coisa horrenda que abriga a Assembléia Legislativa.

Por causa disso... Executivo, Legislativo, Judiciário... os tais 3 poderes... Ah, mas façam-me o favor... Esse pastiche ridículo, constrangedor... Melhor seria mudar tudo logo pra Planalto, Câmara e Senado. Melhor ainda, por que não copiar toda a canalhada de Brasília?

A Paraíba, e aqui me refiro especificamente à cidade de João Pessoa, sempre foi pródiga em quantidade de praças: Praça da Independência, Praça Venâncio Neiva, (do Pavilhão do Chá), Ponto de Cem Réis conhecida também como Praça Vidal de Negreiros, Praça 1817, Praça Pedro Américo, Praça Antenor Navarro, Praça da Pedra, perto do Cemitério Senhor da Boa Sentença, Praça Caldas Brandão, (meu avô paterno), em frente ao Hospital Santa Isabel...

Peço encarecidamente a quem de direito, que não inventem de mudar as seguintes ruas e logradouros que dizem muito à minha alma: "Mandacarú da minha infância", dizia sempre Botto de Menezes, político das antigas ao iniciar seus discursos... Tambiá, Trincheiras, a Balaustrada, a Bica ou Parque Arruda Câmara, a Mata do Buraquinho, Cruz das Armas, terra da Roberta Miranda, Jaguaribe, Rua da Palmeira, onde eu nascí, Rua Nova ou General Osório, Rua Capitão José Pessoa, onde morou meu avô materno, Rua Quatro de Novembro, Travessa Rio Grande do Sul (essa já foi trocada de nome), Miramar, Tambaú, Tambauzinho onde havia um campo de aviação, um aeroclube e até um aeroporto, Bessa, Poço, Cabedelo, Fazenda do Boi Só...

Já desfiguraram a Rua Direita, e o Centro, agora me querem impor essa ridicularia de Três Poderes? Deixem a minha praça em paz... Se porventura insistem em trocar nomenclaturas podem se servir com esses novos logradouros, ruas e bairros que não me dizem absolutamente nada tais como: Geisel, Castelo Branco, Mangabeira, Beira Rio, Cristo, Valentina... e uma infinidade de outros.

Houve um tempo, não muito distante, em que a minha gente paraibana era mais sagaz, mais perspicaz, tinha mais presença de espírito. Essa palhaçada de Três Poderes me trouxe à lembrança um insólito acontecimento, talvez único no mundo, ocorrido por estas plagas. "A Curra dos 3 Poderes". Quem viveu os Anos Dourados, década de 1950, sabe do que se trata.

E nada mais vos digo e espero não me seja perguntado. Já lá se vão mais de 50 anos.

Portanto, mais uma vez peço respeito para com a minha cidade e parafraseando o grande filósofo Joãozinho Trinta, "Ratos e Urubus, Larguem da Minha Praça"!

5 comentários:

Jorge Zaupa disse...

Hugo, vc.botou sua alma nesse texto. Voltou à sua infância e consegue nos levar juntos ao seu passado. Parabéns. Jorge

VIRGOLINO disse...

Perdôem a má comparação, e nem quero estragar o belo texto de Hugão: mas aquilo é, pelos ilustres personagens que rolam malinhas, a praça dos três foderes.

Neide Hornung disse...

Hugao,

Obrigada por continuar lutando pelo que vc acredita e tambem por tantos esclarecimentos historicos.
Neide

Fábia disse...

Realmente muito bacana o seu texto, Hugo!

Praça dos 3 Poderes... rsrsrs... Trágico/Comico!

Girley Brazileiro disse...

Hugão,
Elogios sempre faz bem e às vezes são feitos por fazer. Mas, saiba que vc é merecedor desses de hoje, porque além de ser um grito de civilidade é recheiado de beleza LINDA a a tragedia de Ágaba e Sady, Romeu e Julieta paraibanos... Isto dá filme! Escreva um livro. Adoro suas histórias. Ande, Homem de Deus, não fique somente no Blog.
Um abração e parabéns
Girley Brazileiro