
Há muitos anos, morei no bairro da Urca, no Rio de Janeiro, um dos mais cobiçados de lá, porque é o único da cidade que não tem nenhuma favela. Por isso mesmo, e por ser bem pequeno e à beira-mar, é área altamente valorizada, sobretudo nas ruas da frente, onde só há praticamente casas – uma das poucas exceções é o prédio em cuja cobertura mora o Roberto Carlos – e, dizendo isso, digo tudo.
Pois bem, uma vez estava a conversar com um cidadão na calçada em frente ao mar, quando de uma daquelas mansões saiu um sujeito – não era empregado, mas o dono da casa – e atirou na água duas sacolas e lixo que trazia nas mãos. Tudo bem. Doutra feita, dirigia meu carrinho pela Avenida Atlântica. Na minha frente ia um Volvo de luxo, preto, carro de bacana. De repente, alguém baixou o vidro do banco traseiro, do lado direito – que é o lugar de honra do carro – e jogou na calçada uma embalagem de lanche do Bob`s.
Por que estou contando essas amenidades? Porque aqui neste bendito país, as pessoas quando vêm alguma molecagem urbana – quebra de orelhões, gente urinando na calçada, lixo pelo chão – diz logo que “nosso povo” é um horror, que não tem educação nem urbanidade. É engraçada essa observação idiota. Como se pode cobrar de alguém algo que nunca se deu? Que educação? A das escolas caindo aos pedaços, com professores mal remunerados e carência de tudo? Não há um excesso de cinismo nessa cobrança?
Pois se são as boas escolas e a vida farta que tornam as pessoas educadas, o que dizer dos exemplos que dei acima? E que poderia multiplicar por mil? Pois fiquem os senhores sabendo que gente fina é a mesma coisa, ou até bem pior. Uma vez, estava passando uns dias em um flat emprestado por um amigo em uma marina de Angra dos Reis, lugar preferido pela elite. Na sexta-feira à noite, vindos de São Paulo e do Rio, chegaram vários carros, dos quais o mais modesto era uma Pajero.
Era a gente mais barulhenta e mal-educada que já vi na vida. Foram direto para o bar, tomaram todas e ficaram berrando até altas horas. No dia seguinte, pela manhã, saíram em suas lanchas de luxo. Lá pelo fim da tarde, voltaram, na mesma algazarra, drogados, imundos, e assim como chegaram, caíram na piscina. Até que, já tarde, recolheram-se exaustos aos seus flats.
Conversando com o administrador do condomínio, no dia seguinte, perguntei por que as lâmpadas de resistência – aquelas que acendem automaticamente quando falta luz – estavam colocadas tão alto. Ele me disse que era para evitar furtos.
- Mas como? Então entram ladrões no condomínio?
- Não senhor. São os donos das lanchas mesmo.
- Será possível?! Uma gente que tem lanchas no valor de centenas de milhares de dólares?
- Pois é. Uma vez arrombaram o nosso almoxarifado e levaram todo o papel higiênico.
Esse é o povinho bunda. Que apesar de estudar nos melhores colégios, de freqüentar restaurantes caros e andar em carros de luxo, é grosso como cano de esgoto. Essa é a “elite” brasileira, uma gente que considera Miami o centro cultural do mundo.
Agora, o nosso povão, banguelo, feio, mal-vestido – esse é o povão beleza, que nos deu e dá maravilhas na música, nos esportes, na dança e em muitas outras áreas, quando têm uma pequena oportunidade.
Claro, vocês vão dizer que sou um exagerado, que entre os bacanas também tem gente boa, o Tom, o Vinícius, o Chico, o Caetano. Tudo bem, concordo. E que no povão muitas vezes há ladrões e bandidos impiedosos. Também é verdade, embora se os compararmos aos nossos políticos, acharemos que têm uma alma cândida e apenas pecadilhos sem importância. Mas a verdade é essa: de nosso povo, temos sim de que nos orgulhar. Já da nossa elite, é melhor tapar o nariz.
Um comentário:
Vou transcrever e repassar o excelente texto de Riobaldo Tatarana, tanto interessante quanto útil para uma boa reflexão sobre nosso povo e nossas elites.
Araços
Virgolino
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