
O Brasil é pioneiro em várias coisas. E naquelas em que não é pioneiro, excele pela vantagem numérica – haja vista o número de escolas públicas sem um mínimo de condições de ensino, a quantidade de hospitais na mesma condição, o total de analfabetos etc. Claro, a situação é ainda pior no Haiti e em Burkina Faso, mas não estamos aqui para comparações odiosas. Até porque, se fosse para comparar, só era apelar para o Japão, os países da Europa, os EUA e o Canadá, e é claro que a gente perdia feio.
Mas o caso é outro. Queremos falar especificamente dessa glória nacional, não inventada por nós, mas aqui levada a um virtuosismo que assombra o resto do mundo: trata-se do “ócio sem dignidade”, que nós não inventamos, mas adotamos, aperfeiçoamos, transformamos em um objetivo nacional e chegamos a recordes de fazer inveja a qualquer sultanato. Senão, sigam V. Excias. o meu raciocínio:
1. Esse negócio de viver coçando o saco, à custa do suor alheio, é tão antigo quanto o homem. Já vigorava na Grécia e na Roma antigas, onde os patrícios passavam o dia conversando, tomando vinho e acariciando mancebos imberbes. Recebeu notável impulso na Índia, com os marajás, rajás e outros picaretas poderosos. E em toda parte onde houve escravos, houve quem montasse nas costas deles.
2. O caso brasileiro vem ainda dos tempos coloniais. Gilberto Freyre registra casos de donos de engenhos e fazendas que simplesmente “não saíam da rede”. Ali comiam, bebiam, faziam suas necessidades, atochavam na sinhazinha ou na escrava que estivesse mais à mão e, quando queriam ir lá fora ver o tempo, eram carregados em cadeiras acolchoadas.
3. Essa tradição se manteve na República, mas para manter a aparência de dignidade da nova classe dominante, criaram-se os parlamentares, de que resultou essa gigantesca inutilidade nacional: senadores, deputados federais, deputados estaduais, vereadores – e a multidão de acólitos que os seguem, aspones, puxa-sacos e outros parasitas, igualmente inúteis e regiamente remunerados.
4. Mas sempre é possível aperfeiçoar. E o executivo logo saiu com seu cordão de assessores especiais, cargos em comissão, servidores provisórios que se eternizam e mais um monte de outras safadezas, que passam desapercebidas de nós, os que pagamos a conta. É a nossa “nomenklatura”, que o PT, coerente com a tradição “socialista” mundial, transformou nesse monstrengo de apetite voraz e absoluta imprestabilidade.
Mas a coisa não parou aí. O governo Lula resolveu ir mais longe do que todos os anteriores, incluindo o rei da madraçaria, o Professor Doutor Fernando Henrique Cardoso, vulgo FHC, ou “mulatinha que tem um pé na cozinha”, como ele prefere ser chamado na intimidade. Coerente com toda uma vida de ócio integral, o Lulinha estendeu o benefício a milhares de cidadãos brasileiros e – justiça se faça – aos mais pobres. Criaram-se as famosas bolsas, para qualquer coisa que exija do cidadão comum essa coisa simples, que é meter a mão no bolso e pagar.
Como, no raciocínio lulista, esse negócio de estudar é um luxo de bacana que não tem o que fazer, as escolas foram postas de lado. A saúde não é coisa de preocupar também. Há os terreiros, as garrafadas, os bispos e bispas que, mediante uma boa espórtula, oram a Deus e conseguem de casas com piscina e carros do ano a curas de AIDS, espinhela caída e imburana-da-miudinha. Então, vamos nos preocupar com o que vale a pena.
Tem bolsa alimentação, claro, ninguém vive sem comer. E bolsa gás, porque sem ele não se cozinha. E bolsa luz, porque a gente precisa ver uma televisãozinha pra espairecer. E o vale-transporte, para uns passeiozinhos. E o vale-carrossel, pras crianças se divertirem nos parquinhos e mafuás. E o vale-bimbadinha, porque ninguém guenta ficar no estaleiro e as meninas – que agora são uma profissão reconhecida pelo valoroso ministério do Trabalho (há, há, há!) – também precisam faturar algum.
E assim, estimados patrícios, viva o ócio! Dignidade? O que é isso? Ah, bom, já sei. Mas isso é coisa de rico. Depois, quem daria por uma falta de dignidade neste país, cheio de deputados e governadores que escondem as propinas na cueca, bispas que escondem dólares na calcinha – como, minha senhora? Não foi na calcinha? Foi na Bíblia?! Pior ainda, não é não? E assim, lá vamos nós, ladeira abaixo, nessa espécie de trio-elétrico baiano. E os banqueiros e milionários? Vão muito bem, obrigado.
Nenhum comentário:
Postar um comentário