segunda-feira, setembro 01, 2008

Vai tu mesma, alma fresca!


Elpídio Navarro

Ainda acho graça na antiga piada do pescador que ouvia e fugia de uma voz que lhe perguntava se queria enricar. Um dia resolveu aceitar e gritou

- "Quero!" Então a alma o aconselhou:
- "Vai dar a bunda!" E o pescador respondeu:
- "Vai tu mesma, alma fresca!"

Essas histórias de almas do outro mundo (qual mundo?) sempre me fascinaram. Ainda jovem, morando na Rua da República, próxima ao Cemitério Senhor da Boa Sentença (João Pessoa -PB), lembro da notícia de uma mulher que seduzia homens para o coito e os levava até à porta principal do citado cemitério, onde desaparecia e os deixava abestalhados. Após algum tempo foi descoberto que tratava-se de uma mulher casada, tarada, que conseguia escapar, após o ato, sem ser vista, deixando o seduzido petrificado, pensando que tinha papado uma alma de prostituta. Deu azar quando tentou um amigo do marido que ela não conhecia mas que a conhecia, e o dito cujo meteu a boca no trombone.

Quando criança ouvia falar de um padre sem cabeça que aparecia no fundo do quintal da minha casa: nunca o vi! Sonho com gente morta já tive vários: com amigos e parentes. Mas sonhos são sonhos, nada tem com a existência de outra vida, com quem já morreu, acho. Ainda no quintal da minha casa foi cavado um enorme buraco para arrancar uma botija: só vi o buraco!

Morei numa casa na Rua das Trincheiras que diziam ser mal-assombrada. A cozinheira dormia num quarto de primeiro andar, que ficava acima da lavanderia e carvoaria depósito de carvão, pois ainda não existia o gás). Certa vez estávamos jantando quando a mulher desceu os batentes correndo e estatelou-se no chão, dizendo ter uma mulher de branco balançando-se na sua rede o que verifiquei não existir.. E não quis mais conversa: pediu as contas e escafedeu-se! Depois soubemos que ela havia conseguido um emprego melhor num enchimento (fabriqueta de bebidas).

No Theatro Santa Roza falava-se da existência de almas de artistas que morreram de um acidente no palco. Muitas vezes, por conta de espetáculos que estava dirigindo, passei a noite inteira lá dentro, sozinho. Nem um fantasma da ópera me apareceu!

Não é que eu não tenha medo do sobrenatural. Acho que até tenho algum. Talvez por ter sido criado dentro do catolicismo, ter sido da Cruzada Eucarística e ajudado missa. O meu ateísmo aflorou com uma maior convivência com a realidade que me cercava, com o mercantilismo das religiões, com o comportamento de alguns religiosos. Lembro também de que era um dos nossos fins de semana na Barra do Gramame, praia do litoral sul, pertencente ao município do Conde, na Paraíba. Ficávamos numa caiçara sem portas e sem paredes, só tinha a coberta feita de palha, bem à beira-mar. Ali se aguardava a hora de ir buscar as redes colocadas no meio do maceió, para capturar, através das suas malhas, as tainhas tão desejadas. Também era ali que se fazia as refeições, que se bebia, que se cantava e que se dormia. Nesse fim de semana, enquanto esperávamos a hora que a maré iniciasse o período do remanso, começamos a conversar sobre diversos assuntos. Em dado momento estávamos discutindo a existência ou não de Deus. Isso tudo impulsionado pelas doses de aguardente já bebidas, que nos dava, principalmente a mim, uma certa convicção de que Deus não existia. E o meu discurso atrevido, próprio de quem quer aparecer, deixava o nosso canoeiro Wilson apavorado com tanta falta de respeito às coisas religiosas.

Chegada a hora de recolher as redes, todos dentro da canoa rumo ao centro do maceió. Era uma maré de lua nova, por isso de fortes ondas e de noite totalmente escura. Levávamos um candeeiro a gás para poder executar a nossa tarefa. E no momento em nos encontrávamos temerosos com o balanço da canoa, com a correnteza das águas e com a escuridão da noite, Wilson fez a pergunta:

- "Quer dizer que vocês não acreditam que Deus existe?" Silêncio geral. Eu, Assis, Reginaldo, Ronaldo e Romeu Fernandes e Anchieta, ninguém se atreveu a responder e ele insistiu, dirigindo-se a mim.

- "Como é? Deus existe ou não existe?" Dessa vez eu não poderia ficar calado e o jeito foi sair pela tangente mandando as minhas convicções para o inferno:

- Wilson, esse é um assunto que a gente discute quando voltar para terra firme, quando chegar na caiçara. Aqui não! Aqui a gente tem de puxar essas redes... Você sabe, é perigoso se distrair...


Acredito que, na verdade, o que acontece é o medo da morte. O ser humano, eu também, ainda não se conscientizou ou se conformou que começa a morrer no dia que nasce. E que não tem outra saída. Reage inventando deuses, outras vidas, fantasmas, infernos e céus. Religiões como umas que o suicídio é uma forma de alcançar a glória dos seus deuses, existem. O normal é o homem procurar preservar a vida o máximo possível. É o que eu faço, temeroso do dia que vai chegar, quando meu corpo não mais responder aos desejos do cérebro e findar. Virarei apenas uma memória do que fiz ou deixei de fazer...

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