terça-feira, julho 15, 2008

Drama de um jovem


José Virgulino de Alencar

(Depoimento do que passei e vivi com as drogas)

Diluída na fumaça soprada no primeiro e inocente trago de um cigarro de maconha, a ilusão e a conseqüente desgraça criada pela droga se instala na mente do jovem e aí começa a caminhada, muitas vezes sem retorno, para um vício que destrói o corpo, a mente, a auto-estima e o próprio prazer de viver do viciado. Vejam o que me causou um desses despretensiosos baseados oferecidos a um filho meu e o drama vivido por nossa família.

Faço parte de um contexto familiar, hoje como lá na minha origem, de formação religiosa, comunitária, baseada no comportamento civilizado, educado, longe de vícios e hábitos contrários à harmonia social. Criado assim, procurei dar esse mesmo exemplo a meus dois filhos, Thália Karenina, casada, arquiteta, exercendo a profissão, e Leopoldo José, estudante universitário do curso de Nutrição, tendo como suporte minha mulher, fiel companheira, Ida Alencar, formada em Administração, hoje aposentada dos quadros do Estado, que soube vivenciar, com base na fé, o terrível problema.

Minha filha fez o curso secundário no Colégio Nossa Senhora de Lourdes(Lurdinas), onde recebeu boa formação e educação. Meu filho estudou no Pio X, onde pensava eu que, pela boa fama do colégio, o tinha colocado a salvo de más influências e dos perigos das drogas.

Ledo engano. O Pio X, mesmo não sendo a origem do problema, foi bastante propício para envolver meu filho com as drogas, ao lado de um expressivo número de jovens de classe média, bem criados. Observei que o educandário religioso não tinha nenhum esquema de fiscalização contra a ação dos agentes do tráfico que se postavam na porta do colégio, seduzindo os jovens. Aliado a outro equívoco de que, morando no Bessa, região considera nobre na capital paraibana, estaria oferecendo ambiente sadio para a família, surpreso descubro que o bairro é infestado de jovens viciados e de traficantes.

Ao ter revelado que meu filho entrara no vício, um baque na emoção foi a primeira reação, de profunda decepção, acompanhada do medo, da insegurança e da impotência diante da situação. Atônito, me fiz a pergunta, de difícil resposta: o que fazer? Ninguém tem a fórmula desenhada para condução do problema, em que pese a infinidade de pessoas, instituições e autoridades nos três níveis de governo que atuam no enfrentamento do potente esquema do tráfico e consumo das drogas.

Empiricamente, optei por uma posição que visava segurar meu filho sob nossas asas, minha e de minha esposa, não o reprimindo, nem o tangendo de nosso convívio, conversando, apelando, tentando abrir para ele caminhos por onde pudesse livrá-lo do mal, atraindo-o para a nossa religião, em cuja Igreja temos uma atuação em várias pastorais, entre as quais a da família, de jovens, alguns também viciados.

Foi um período traumático, amargo, de rebeldia, de ameaça de desagregação da harmonia do lar, de sensação de perda de um membro, do corpo físico e do familiar. Esse período de vivência do problema, com noites indormidas, acidentes assustadores e a incerteza do futuro, dá um livro e requer muito espaço e papel. Foi longo, intragável, indigesto.

Pulo, então, para a etapa seguinte, quando, por circunstâncias que só Deus pode explicar, meu filho saiu, e saiu em definitivo, do vício, por convicção própria, por força íntima, sendo hoje um jovem normal, bom aluno na sua futura profissão, cuidadoso com a saúde e a mente, vivendo junto a nós, participando de nosso trabalho na Igreja.

E a busca pela religião não foi como fuga ou esconderijo para escapar das tentações, mas decisão pessoal tomada para caminhar pelo curso normal da vida, onde faz palestras e dá depoimentos, de forma aberta e sem constrangimentos, para jovens e até para casais. Conta ele que, do ilusório prazer inicial, entra-se num estado em que o vício domina, mas não tira a consciência de que está sofrendo, de onde tenta sair e as dificuldades são muitas e inexplicáveis. Ele também sentiu, como nós, dores, angústias, medos e incertezas.

A passagem para o outro lado do muro foi firme, está consolidada, reintegrado na família que vive atualmente um clima de tranqüilidade, de harmonia, de paz, o que me permite falar sem receios sobre o delicado assunto, que me manteve por um bom tempo trancado e silente, no trabalho profissional, na vida religiosa, na vivência social.

O fato chegou a perturbar até essa outra faceta da minha vida, a da comunicação, da literatura, de escrever, de expor e discutir idéias, no mais amplo sentido do conhecimento humanístico. Sou um apaixonado pela palavra, um consumidor voraz do texto que expõe uma idéia, ainda que vá de encontro à minha forma pessoal de pensar e ver as coisas, um apreciador da criação artística. Mas passei essa época lendo e escrevendo pouco, com uma incômoda desmotivação.

Vivi o fato e não aprendi a lidar com ele. Nem sei que contribuição pessoal tenha dado para meu filho mudar. Forças supervenientes me ajudaram e ajudaram meu filho. Explicações convincentes sobre o abominável tema confesso que não tenho e nem quero ter.

Apenas e simplesmente desejo que amigos, inimigos, conhecidos, desconhecidos, enfim ninguém, passem por esse túnel escuro, assombroso, apavorante, pela infelicidade de ter um ente querido metido nessa coisa que começa no inocente trago de um pequeno cigarro de maconha, abrindo um fosso enorme no seio da família e da própria sociedade.

Como uma verdadeira seqüela do fato, se alguém quer me ver doente e fora do sério, fale perto de mim em legalizar a droga. Se ouvir poucas e boas, não estranhe, porque é uma reação espontânea e automática de repulsa a uma coisa que pegou na veia, mexeu nos nervos e bateu forte na emoção.

Passou, mas a revolta ficou. Não com meu filho, a quem eu, minha esposa e toda a família não deixamos de dedicar todo o afeto. A ira se volta contra o criminoso esquema do tráfico, da distribuição da droga e do vício, pela porta insidiosa da sedução dos jovens.

Nesse combate, sou um soldado, raso mas disposto a participar da luta para limpar o mundo dessa sujeira. Não é fácil, mas vale a pena tentar.

Um comentário:

Márcia Barcellos da Cunha disse...

Sr. José Virgulino de Alencar,

Este é sem dúvida, um dos maiores problemas que as famílias enfrentam.
Grata. Márcia