segunda-feira, maio 12, 2008

O Mistério das Livrarias


Em qualquer país menos ignaro, um cronista como Germano Romero não precisaria de apresentações. Mas como infelizmente nem todos tiveram ainda a chance de ler suas crônicas, eis-me aqui, seu antigo leitor, fazendo a apresentação: é um intelectual sério, escritor, arquiteto, poeta, bem-humoradíssimo, super-inteligente, honesto, preocupado com sua cidade (João Pessoa), com seu estado, sua região e seu país. Não tem medo de denunciar os canalhas e mentirosos, os que arrasam o meio ambiente e os que vivem de enganar. E faz tudo isso com muita graça, alegria e aquela fina ironia da linhagem de um Eça, ou de um Erasmo. Se toda essa apresentação ainda não deu conta de seu perfil, acrescento esse dado genético: ele é filho do escritor e poeta Carlos Romero, de quem já falamos nesse blog. E como puxou ao pai! Pra nossa felicidade, vamos tê-lo nesse blog, que está ficando cada vez melhor. Graças ao esforço e à credibilidade do Hugão, esse cabra bom da peste. Carlos Mello


Germano Romero

Não há lugar em que eu entre com mais reverência e respeito do que numa livraria. Acho que até mais do que numa igreja. Sim, porque independente de crenças, os templos inspiram acatamento, sejam de qualquer religião. Afinal, assim como a beira de um mar ou de um rio, uma majestosa montanha, os altares, os santuários, tudo que convida à introspecção provoca uma grave sensação. Um hiato de paz, de lembrança das coisas eternas...

Mas, as livrarias guardam um sublime clima de mistério e respeito. Tão diferente de uma loja de carnes, um açougue, uma farmácia, ou um supermercado...

Nas livrarias a gente sente uma energia diferente. Quantos segredos estão ali guardados naqueles livros. Quanta fantasia, quantas confissões, confidências, desabafos, mentiras e sinceridades, enfim, parece que o pensamento humano está todo ali entesourado. E claro que está. A história, a ciência, a filosofia, tudo acomodado dentro daqueles volumes.

As lojas de livros são geralmente silenciosas, e as pessoas que nelas trabalham nos dão a impressão que também são afeitas à leitura. E por isso, decerto, mais educadas. As grandes e modernas são aconchegantes, têm espaços de estar, recantos de leitura, e até cafés. A gente fica sem saber por onde começar.

Transitando ao léu, por um dos corredores com livros de um lado e de outro, comecei a sentir que eles exibiam um desejo de serem vistos, tocados, puxados da prateleira. Quem sabe até uns não ficam com inveja de outros que costumam "sair" com mais freqüência. E lá vinha uma senhora graúda, toda enfeitada, com brincos e colar, o perfume chegando primeiro. Foi então que ouvi dois livros de filosofia comentaram um para o outro: "esta certamente não nos vai puxar... Vai passar direto para o café ou para a ala de culinária".

Os de religião, apesar de ficarem na mesma seção, não se questionam. Seguem à risca o conselho de que "gosto e religião não se discutem". O máximo que podem ter é algum sentimento de superioridade. Os compêndios budistas, por exemplo, devem pensar que, por serem vetustos, merecem mais respeito. Pensei escutar até a Bíblia falando ao "Tao Te Ching", apontando para o Livro dos Espíritos, de Kardec: "aquele fedelho, que tem pouco mais de cem anos, já está se julgando o tal!... E até que ele é procurado, viu?" Mas, o "Tao", que também se sente o tal, amenizou o despeito dizendo: Deixa ele... é bom que venham as novidades. Assim, nós que já temos milênios de idade, vamos sempre ver gente nova por aqui...

Dobrei a esquina e entrei na ala de literatura universal. Ali estavam Dante, Shakespeare, Goethe, Nietzsche, Thomas Mann, Dostoiewsky, todos extremamente bem vestidos. É um respeitável corredor. Quanta influência eles causaram e ainda causam à humanidade...

Mas, já era hora de sair. Acenei mentalmente para os livros, e comunguei mais uma vez com silenciosa reverência àquele espaço mágico. Tão mágico como a vida que me esperava lá fora...

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