sábado, fevereiro 02, 2008
CARNAVAL - CARNAVAIS
Hugo Caldas
O amigo Anco Márcio instou-me há poucos dias a tecer alguns comentários sobre o reinado de Momo em terras pernambucanas. Não poderia o meu dileto conterrâneo ter escolhido pior encarregado para levar a efeito uma empreitada desse porte. Péssima idéia, vos asseguro. Para bem falar sobre Carnaval imperioso se faz ter um passado carnavalesco pelo menos sofrível. Considero-me o mais desditoso, o mais desengonçado dos foliões. Uma lástima. O carnaval pernambucano é realmente uma coisa única no mundo inteiro. Merecia relator bem melhor.
O desfile dos Maracatus, com os seus reis, rainhas, passistas, lanceiros, é algo absolutamente impressionante. Jamais vou esquecer quando ainda há pouco tempo na cidade fui surpreendido pelo estrondo do baque virado de um Maracatu que ensaiava na Rua da Imperatriz. Já os Maracatus Rurais, se vestem diferentemente, cantam, e dançam em uma cadência distinta. Nos dias da folia, blocos e préstitos de toda naureza desfilam pela cidade. Milhares de Marchinhas e Frevos cada um mais irresistível. Pequenas agremiações, La Ursa, o Boi, sem falar dos Bonecos Gigantes de Olinda, incontestável herança Ibérica. Multicultural, (argh) belíssimo de se ver.
A segunda-feira de carnaval é dedicada à "Noite dos Tambores Silenciosos," quando vários Maracatus se reúnem no Pátio do Terço e juntos fazem um minuto de silêncio em memória dos escravos que morreram sem brincar o carnaval. A volta, ao tocarem novamente seus tambores (alfaias) é de arrepiar. Não é à-toa que o pernambucano da gema enche o peito e brada aos quatro ventos, "O Melhor Carnaval do Mundo."
Quanto a mim, pobre agregado, nunca entendi muito dessa historiada toda. Alguns primos pernambucanos, bem que insistiam, bem que tentavam me colocar no olho do furacão quando a brincadeira era o mela-mela correndo solto no mais animado entrudo. Jogava-se água, talco, farinha e às vezes até tinta e goma nos foliões. Havia longo desfile de carros, jipes e caminhonetas formando animadíssimo corso. Que era bonito, lá isso era. E empolgante.
Mesmo sem me considerar habilitado para pular os tres dia de folia, quase sempre participei e brinquei o Carnaval dos bons tempos da década de setenta em Olinda. O carnaval de Boa Viagem era de uma animação sepulcral. A cretinice era tal que vez por outra aparecia um Trio Elétrico da Coca-Cola estrondeando os jingles do nefasto xarope e a massa ignara caía inteiramente no passo. Pode? Podia.
Passei a freqüentar, por causa dos rebentos, e da cara-metade, o carnaval de Olinda de quem falavam maravilhas. Saí, se não me falha a memória, no segundo ano de vida do famoso bloco, Grêmio, Lítero, Recreativo, Carnavalesco, Misto, "Eu Acho É Pouco," que, diziam as más línguas, ser de tendência esquerdizante. Como sempre, tudo começou com quatro gatos pingados, para com o passar dos anos ir aumentando o número de foliões, até ficar em certos momentos, absolutamente impraticável se pular. Havia a ala infantil, o "Eu Acho É Pouquinho," onde a meninada brincava na parte da manhã. Zelávamos pelo bloco. Eu mesmo consegui que o compositor carioca Mauricio Tapajós compusesse um hino para a agremiação. Infelizmente nunca conseguimos gravar. Tenho ainda, acho eu, um fita cassete gravada com voz do autor. Uma relíquia, agora que o Mauricio já se foi.
O senador Marcus Freire saiu no maior passo conosco um ano, em flagrante desafio aos donos do poder de então. Para nós foi a glória. Breno Mattos, artista e paraibano dos bons, deixava a Paraíba e sempre aparecia montado numa burrinha confeccionada por ele próprio. Era religiosa a sua presença.
Existia, na Praça da Preguiça, em Olinda, a barraca "O Bêbado e o Equilibrista" que diziam ser uma célula dos foliões do PC, onde se bebia cerveja e devorávamos na hora da fome uns pastéis horrorosos. A comunistada aproveitava para faturar uma graninha por fora. Percebam vocês que estou enrolando pois me considero um zero à esquerda quando o assunto é Carnaval, Tríduo Momesco, etc. Paciência, então.
Subir e descer ladeiras até que ainda era possível naqueles tempos. Junto com mulher e dois filhos era realmente uma festa inesquecível. Para eles, evidentemente. O fato é que apesar de morar já há bastante tempo no Recife, nunca deixei de me sentir um forasteiro na cidade ou nas pernambucanidades. Carnaval é coisa de pernambucano ora, eu sou de uma terra onde não existia nem sombra da loucura que acontece nas ruas do Recife e Olinda.
O Galo da Madrugada. Ah, esse Galo! Motivo do maior orgulho aqui na Mauricéia, pois até já está lá registrado no Livro dos Recordes. O "Maior Bloco Carnavalesco do Mundo". Não tem a tradição que se espera, trinta anos não significam nada em comparação com outros folguedos mais tradicionais. Apenas uma boa idéia que deu certo e começa a se desfigurar, graças ao mesmo gigantismo que está vitimando as Escolas de Samba do Rio de Janeiro. Milhões de pessoas, maior insanidade. Entrei no bloco uma vez e saí na metade do percurso. Nunca mais. Há quem goste. No Galo você não dança. Faz ginástica.
Já o carnaval da mui sestrosa Filipeia de Nossa Senhora das Neves era um arremedo de folia para uns quatro ou cinco. Recordo do Bloco do major Ciraulo, o "Empresa Tração Luz e Força, "E.T.L.F." com ele próprio e mais um bando de marmanjos em cima de um caminhão a distribuir um simpático jornal, acho que com notas carnavalescas.
Afora acontecimentos isolados de foliões que brincavam a sós, como o capitão Falcão (Cancão), que mais tarde viria a se transformar em professor de educação física do Liceu e uns poucos caboclinhos, que dançavam numa cadência absolutamente diferente dos caboclinhos do Recife, sempre em eterno desfile na Rua Direita, para onde eu menino, ia com a minha mãe à casa de umas tias, e ficava à janela como se estivesse na Marquês do Sapucaí. Lembro de um Bloco chamado "Esquadrilha V," com os desfilantes fantasiados de aviadores. Quando eu morava no Miramar não existiam muriçocas. Hoje, não só elas existem como formaram um bloco carnavalesco. Sinal dos tempos.
Rua da Concórdia, centro da cidade, recém-chegado ao Recife, certo domingo de carnaval um bloco, desses com orquestra de "pau e corda" (não se tocam instrumentos de metal) apareceu de repente na esquina e a rua toda se apressou em vir para a calçada a fim de assistir ao cortejo. Eu, dedos indicadores de ambas as mãos apontando para o alto, fui junto na melhor empolgação que um paraibano poderia demonstrar. Pois bem, o bloco desfilou lindamente. Pastoras afinadíssimas cantavam a marchinha do bloco. De repente, como se algo de mágico acontecera, todas as pessoas que estavam nas calçadas sairam acompanhando, correndo atrás do bloco, ficando eu absolutamente sozinho no meio da rua a contemplar o folguedo, que se perdia de vista ao dobrar a próxima esquina. Música diminuindo de intensidade, até parar de vez. Lembrava cena de filme do maluco do Fellini.
Lança perfume Rodouro, de metal ou de vidro, era ferramenta obrigatória para esguichar nas costas suadas das garotas que apareciam e fingiam não gostar do jato gelado da brincadeira, quando na realidade adoravam. Jânio Quadros, na sua demência alcoólica veio acabar com a festa da lança. Esse o carnaval dos bons tempos. De uma certa inocência que ficou para sempre esquecida em algum escaninho da vida. Agora só resta esperar pela quarta-feira ingrata e conferir nos jornais o estrago causado pela violência.
Que o Grande Espírito nos guarde.
hucaldas@gmail.com
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2 comentários:
Você sabe desmistificar certos tabus sem ferir os melindres alheios. Já fui uma grande carnavalesca e hoje chego à conclusão de que, a meu modo, continuo - a velhice é uma folia desenfreada onde a gente canta a marchinha do ai, ai, ai. Um abraço Djanira
Professor lendo sua cronica sinto o mesmo sentimento quando escuto o frevo O regresso (????)...é que me dá saudades de pessoas e momentos que eu, de fato, nunca vivi. Não sei se fui clara o suficiente para dizer que carnaval me traz banzo, grata...Glauce
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