terça-feira, janeiro 15, 2008

POLITICAMENTE CORRETO


Hugo Caldas

Meninos, em verdade vos digo. Comecei o novo ano com o pé esquerdo. Sabe o meu comentário do dia 31 de dezembro, aquele sobre a repressão policial no Quênia, por conta da fraude nos resultados das eleições presidenciais? Pois é, recebi inúmeros telefonemas (como descobriram o meu número?!) e um catatau de e-mails desaforados, inclusive de uma entidade baiana, todos me recriminando por haver usado "preconceituosamente a expressão negrinho adolescente magrelo". Exigiam imediato desagravo!

Ok, vocês venceram! Será que "pequeno afro-descendente mirrado" desagrava?

Politicamente correto. Quem inventou essa presepada? Os sete magos do Sião? Os oito babacas de Bayeux? O Mangabeira Unger? Isso é coisa de quem não tem absolutamente nada que fazer. Coisa de americano rico que via de regra ri à-tôa, pois. Cunharam por lá o eufemismo African-American, que veio dar com os costados no Brasil. Aqui, como tudo se copia, deve-se dizer, "Afro-descendente." E começaram a levar à sério. A neurose já acontece há muito tempo. Conhecí gente importante da Música Popular Brasileira, que implicava com o "Samba do Crioulo Doido" por considerar o engraçado sambinha do Sergio Porto sumamente preconceituoso. Pode? Essa gente está a ver chifre em cabeça de cavalo.

Será que ninguém se toca por exemplo, em reconhecer a existência de figuras de linguagem, as chamadas formas carinhosas? "Sou doido por essa neguinha", dizia Painho, personagem do Chico Anysio. Meu Nego/Minha Nega, é como uma ex-aluna, simpática personagem da alta sociedade pernambucana se refere a todo mundo. Isso é preconceito?

Muito bem. A Africa era conhecida como "O Continente Negro". Passa a ser "Continente Afro-descendente?" Nêgo Bom, o pernambucaníssimo doce de banana deverá ser daqui por diante, um "Afro-descendente benévolo?" E O Negrinho do Pastoreio, e a Nega Fulô do Jorge de Lima? A Nêga Maluca, que me chegou de repente enquanto eu jogava sinuca, seria o que? "Afro-descendente que sofre das faculdades mentais?" Vamos falar sério?

Em "Fogo Morto," o mais belo romance de Zé Lins do Rego há inúmeras citações e usos da palavra "negro" ou "negra". Negro Passarinho, Negro Floripes, Negro Manoel de Úrsula, Negro Macário, Negra Margarida, uma longa série. O que vão fazer? Processar Zé Lins e seus descendentes? Ora, façam-me o favor!

Expressões tais como: "A coisa tá preta." Chico Buarque, em "Meu Caro Amigo" rimou "a coisa aqui tá preta" com Marieta... O que vem provar mais do que nunca a não ocorrência de preconceito. Dê uma passadinha no Aurélio e veja que ele registra a palavra Atro, como: Negro, Escuro, Tenebroso, Lúgubre, Medonho, Aziago, Infausto. Preconceito? Isso tudo foi por obra e graça da Santa Madre Igreja. Negro e índio não tinham alma. E os orientais? Os judeus? Estes foram impiedosamente transformados em categorias gramaticais, ora substantivo, ora verbo. Judiar. Nem Luiz Gonzaga e Humberto Teixeira escaparam dessa. "Por que tamanha judiação," cantada em verso e prosa em "Asa Branca." Tudo isso está muito arraigado em nossas mentes, o que, a meu ver, não se configura jamais como o mais desprezível exemplo de preconceito. Quem conta um conto aumenta um ponto. Ou tira um ponto ou mais. Vejam abaixo:

Um fato, a deposição do Imperador D. Pedro II. Duas versões

1 - "O embarque noturno era uma exigência dos representantes da República recém-proclamada - não queriam manifestações de apoio que pudessem redundar em repressão e derramamento de sangue. Provocou uma das poucas reclamações do imperador deposto."

"Não sou nenhum fugido", repetiu duas vezes.

Matéria da revista Veja, 14 de novembro de 2007 - O Rei e Nós, da editora Vilma Gryzinski.


2 - "Conduzido, com a familia imperal, para o cais Faroux, afim de embarcar na lancha que o devia levar para bordo do Parnaíba, o imperador Pedro II não deixava de protestar:"

- Não embarco; não embarco a esta hora!

E ao braço do Conde d'Eu, que o puxava docemente:

- "Não embarco a esta hora, como negro fugido!"

Coluna de Tobias Monteiro - "O Jornal", 5 de dezembro de 1925.
Citação em "O Brasil Anedótico" - Humberto de Campos

Alguém poderá explicar a razão do desaparecimento da palavra "negro" na versão apresentada pela revista? O que motivou a mutilação da notícia? Receio de um processo por preconceito? É provável. Um politcamente exarcebadamente correto? É provável também. Fica a indagação e o protesto pela deturpação histórica. Prefiro acreditar na versão do Tobias Monteiro que a publicou no "O Jornal" em 5 de dezembro de 1925. Trinta e seis anos passados da ocorrência.

E para fechar essa conversa de hoje. Não tinha idéia da popularidade e da circulação do Blog. Panglossiano incorrigível, fico a tirar proveito da situação. Vejo agora que as minhas mal traçadas não são lidas apenas pelos amigos e colaboradores. Bom, não é mesmo? Assim quando quizer apoquentar as cabeças pensantes (sic) da mundiça que me destratou, já sei. É só postar algo politicamente incorreto. Quem viver verá.

hucaldas@gmail.com

3 comentários:

djanirasilva disse...

Hugo, concordo com você e não arredo. O branco pode ser chamado de branco, o outro não pode? aliás, quem deveria ser processado era Deus que pintou as cores do mundo e mais alguma coisa.
Seu tom jocoso e gosador é impagável e extremamente agradável de ser ler. Um abraço, Djanira - já visitou o meu blg? blogdjanirasilva.blogspot.com

Anônimo disse...

Hugão
Fiquei abestalhada com o seu artigo no blog sobre o negrinho adolescente magrelo. É muita frescura pro meu gosto! Falo à vontade, porque não sou branca e nem estou aí pra essa coisa de cor. E fico arretada com essa estória de "afro-descendente". O cacete!!! Eu sou é brasileira, descendente de brasileiros natos. O que tem de genes negros no meu DNA já diluiu há muito tempo, como todo o resto. E olhe que falo com a autoridade de quem foi professor de Genética (com PhD) na UFPE, por 30 anos (acabo de me aposentar). Gente, essa coisa só faz acender o preconceito. Pra falar cientificamente, devíamos apenas dizer que somos humanos, porque os caras que estudam a sério já entenderam, e divulgaram, no fim do século passado, que é todo mundo misturado mesmo. Só admito afro-descendente, e do ponto de vista geográfico, para no máximo a terceira geração dos primeiros escravos aqui aportados. A partir daí, meu nêgo (com acento e de propósito), a mistureba já estava solta na buraqueira. Assim sendo, só tem uma coisa pra falar pra quem se deu ao trabalho de lhe aporrinhar: vá arranjar uma lavagem de roupa! Meu poupe! Me economize!... Ósculos e amplexos crioulos
Aline

Anônimo disse...

Hugão
"Essa coisa de afro-descente é o preconceito do preconceito. É engraçado como os americanos cunharam essa besteira, juntamente com "american-indian", todo mundo aceitou e imediatamente nós, "los eternos macaquitos", copiamos. Quer dizer, o negro é afro-american, o índio é american-indian; só quem é americano mesmo, sem adjetivos, é o branco, o WASP (branco anglo saxão protestante. E nós é que somos preconceituosos?
Uma professora do mestrado de sociologia da UFF propôs, em uma aula, que se discutisse uma questão com vistas a esclarecer alguns pontos. Imediatamente uma aluna negra protestou contra o "esclarecer", que achou preconceituoso. Que tal essa parana?
Acho que, para casos desse tipo, só há um comentário, aquele que o pessoal do O Pasquim, fazia antigamente quando algum chato escrevia criticando o jornal: "Ostras!" É lá mesmo que esse pessoal politicamente correto devia esfregar o fiofó. Ô gente chata, burra, menor!
Carlos Mello"