ELPÍDIO NAVARRO
Quando jovem, a partir dos vinte anos, envolvido no crescente movimento teatral paraibano, pensando abertamente autores europeus de esquerda, como Garcia Lorca e, principalmente, Brecht, e pensando com mais cuidado numa possível revolução socialista, poesia teria de participar do processo.
Então o entusiasmo era "Dizem-me: come e bebe!/Fica feliz por teres o que tens!/Mas como é que posso comer e beber,/se a comida que eu como, eu tiro de quem tem fome?/se o copo de água que eu bebo, faz falta a quem tem sede?/Mas apesar disso, eu continuo comendo e bebendo."
Poetas como Cassimiro de Abreu eram levados ao ridículo: fazia-se paródias engraçadas com os seus versos e até eram encenadas. Lembro da história da garotinha que teve a tarefa de decorar "Meus Oito Anos" para declamar em sala de aula e não conseguia chegar ao fim da primeira estrofe e quando se apresentou foi um desastre: "Oh! que saudades que tenho/Da aurora da minha vida,/Da minha infância querida/Que os anos não trazem mais!/Que amor, que sonhos, que flores,/ Nas sombras das fogueiras/Às tardes dos laranjais/Por cima das bananeiras." Mas o "poeta do amor e da saudade" como o denominada o Padre Rui, pároco na cidade de Areia e professor de português da Escola de Agronomia do Nordeste, teve a sua importância e a sua obra está sendo redescoberta e hoje sou capaz de reler versos como "Quando eu te vejo e me desvio cauto/Da luz de fogo que te cerca, ó bela,/ Contigo dizes, suspirando amores: "Meu Deus! que gelo, que frieza aquela!" //Como te enganas! meu amor, é chama/Que se alimenta no voraz segredo,/E se te fujo é que te adoro louco... /És bela — eu moço; tens amor, eu — medo..."
Li no jornal uma crônica, "Rua Sá Andrade, o avô e o neto", do Desembargador José di Lourenzo Serpa. Imediatamente a sensação das auroras da minha vida. Ele cita a rua São Miguel, a Praça da Pedra, a Rua Amaro Coutinho, vias da minha adolescência, lembranças vivas na minha cansada memória. Além disso o cronista destaca o poeta Radiel Cavalcanti, hoje lembrado por poucos: "Ao comentar este retrospecto da minha infância com o Dr. Márcio Roberto Soares Ferreira, servidor graduado do Tribunal de Justiça da Paraíba, homem versado nas letras, me lembrava este o nome do poeta da paz, do amor e da saudade, Radiel Bezerra Cavalcanti, que, em virtude da sua pobreza, morava em uma pequena casa e possuía apenas uma cama, um fogão e alguns livros. Por isso, sua casa era conhecida como O Tugúrio do Poeta. Esclarece-me ainda Dr. Márcio que o poeta Radiel conseguiu publicar nas tipografias dos amigos os seguintes livros: Cardos, Lótus, Cajueiros dos Bailados e, acrescentando ainda, um romance não publicado intitulado O Estalajadeiro da Ilusão. Realmente, um nome que não poderia faltar, ele, Radiel Cavalcanti, moreno claro, estatura média, rosto oval e de cabelo estirado, com uma pequena trunfa.Certa vez, Radiel, ao chegar ao nosso pequeno campo de futebol, subiu numa pedra, abriu os braços e de Castro Alves recitou:
- "Estamos em pleno mar."
Justo destaque do Desembargador di Lourenzo. Conheci Radiel e mais de uma vez conversei com ele no Ponto de Cem Reis. Sempre o assunto era a dificuldade de editar seus trabalhos. A Cidade deve a ele uma homenagem também. Não precisa ser uma estátua, mas uma nova edição da sua obra. Lau Siqueira que nos leia e nos ouça.
A festa da Padroeira do bairro, Monte Castelo, aqui em Cabedelo, onde moro. Instalaram um pequeno parque de diversões, tão parecido com os das auroras da minha vida: carrossel, roda- gigante, balanços, tiro ao alvo e algumas "inovações" que ainda não existiam na Festa da Conceição da Rua São Miguel, nem na Festa das Neves daqueles tempos. Uma delas me chamou mais atenção porque era a mais freqüentada e durante a manhã, tarde e noite. Era uma barraca toda fechada, escura e com só uma entrada, onde crianças e adultos disputavam a vez de usar esses modernos jogos eletrônicos: guerras interplanetárias e lutas orientais diversas. Só um era futebol. Imagino que aqueles brinquedos são muito úteis para estragar a visão, imbecilizar a mente e evitar que a meninada coma um cachorro-quente, chupe um picolé ou veja as estrelas do alto da roda-gigante.
Também li que o Dia Municipal do Rock foi instituído através de um projeto do Vereador Flávio Eduardo (Fuba). De imediato chegaram as lembranças de Zezita e Breno Matos sendo aplaudidos no Clube Astrea ao ganhar um concurso dançando rock. A professora atriz e o escultor professor, garotões ainda, deram show com suas acrobacias dentro do ritmo, na época alucinante, bem à moda de Elvis Presley. Não conseguia aceitar nem praticar aquela forma de dança, mas achava interessante e até me balançava um pouco, mesmo com a preferência para um bolero ao sabor de um cuba-libre.
Mas também li uma notícia de um pessoal jovem fazendo teatro, assunto que sempre me transporta para os felizes tempos do Teatro do Estudante da Paraíba. Vale a pena ler a matéria de Maria Zita Almeida na íntegra, que comprova nem tudo estar perdido:
Grupo Cariri Teatral estréia amanhã, no Sesi, o espetáculo ‘O Touro Imperador’
O Grupo Cariri Teatral, da cidade de Cabaceiras, estréia amanhã seu primeiro espetáculo, O Touro Imperador, da autoria de Paulinho de Cabaceiras. Doze atores mostrarão ao público, às 20h, no Sesi, o que aprenderam durante três meses de aulas teóricas e práticas no Curso de Teatro, voltado para interpretação ministrado pelo teatrólogo Josimar Alves do Grupo de Teatro Heureca do Sesi da Paraíba.
A encenação é uma comédia da segunda metade do século XX que narra a importância de resgatar a cultura da Vila de Pai Mateus. Os atores estreantes são Arieline Nunes, Bárbara Barros, Bruno Lira, Hermínio de Assis, Iraci Nunes, Izabel Cordeiro, Juliana dos Santos, Mariana da Silva, Natália Nunes, Paulinho de Cabaceiras, Patrícia de Farias e Robéria Mendes. Depois da estréia, o Grupo Cariri Teatral se apresentará em Boqueirão no dia 19, em Monteiro no dia 28 e em Campina Grande no dia 29 às 20h no Teatro Municipal Severino Cabral.
O autor do texto, Paulinho de Cabaceiras, é poeta, compositor e historiador com vários cordéis publicados. Ele também é um dos membros fundadores do Instituto Histórico e Geográfico do Cariri Paraibano e correspondente da Academia Mageense de Letras do Rio de Janeiro.
Já participou de alguns filmes como a minissérie O Auto da Compadecida, Canta Maria com direção de Francisco Ramalho e o inédito Romance, com direção de Guel Arraes. Atuou também no documentário “Cabaceiras” de Ana Bárbara. O figurino do espetáculo O Touro Imperador é do teatrólogo campinense Antonio Nunes e a direção é de Josimar Alves.
www.eltheatro.com
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