sábado, janeiro 13, 2007

RECUERDO 16 - A ESCOLA DE DONA TÉRCIA BONAVIDES

HUGO CALDAS

Dizia o poeta que antigamente a escola era risonha e franca. Será que era mesmo?

A primeira vez em que, levado por minha Tia Aurinha, subi os degráus de uma escola, lembro bem, foi numa terça-feira ensolarada. Era a escola de Dona Tércia Bonavides, alí na Rua das Trincheiras. Sua irmã, dona Da Luz, tambem professora e diretora, vivia aterrorizando os pobres garotos de sete anos de idade. Eu, inclusive.

Dona Da Luz, também dava aulas em um Grupo Escolar na Av. João Machado e somente aparecia às onze horas. Ao chegar punha as mãos nos quartos e gritava a plenos pulmões, no meio da sala, os olhos aboticados, "eu já cheguei, viu?!" Uma onda de arrepio passava por sobre toda a classe. Dizem até que certa vez um garoto urinou nas calças tal o pavor.

O espaço físico era muito acanhado, mesinhas e tamboretes de diversos tamanhos, comprados, me parece, na feira de Jaguaribe se espalhavam por todo o grande salão. Grupos de diferentes estágios estudavam juntos mas no final tudo dava certo.

Ah, os livros desse tempo! Crestomatia...
De tanto ouvir os alunos mais velhos na hora da lição de leitura, (existia, sim!) ainda hoje lembro o texto que segue: “Um celebre poeta polaco descrevendo em magníficos versos uma floresta encantada de seu país imaginou que as aves e os animais ali nascidos se por acaso se achavam longe quando sentiam aproximar-se a hora de sua morte voavam ou corriam e vinham todos à sombra das árvores onde tinham nascido.” O danado é que não lembro o autor.

Todos, absolutamente todos, sob uma rígida disciplina não só quanto à aplicação nos estudos mas também e principalmente no tocante ao comportamento. É bem verdade que já não se usavam palmatórias mas beliscões e castigos outros, tais como reguada nos dedos, ou ficar em pé contra a parede, ah, esses ainda funcionavam e muito bem. E não causavam "traumas". Nunca ouví falar de algum debiloide oriundo de escola que usasse e abusasse de tais métodos de disciplina. Ao contrário, hoje guardo as melhores lembranças daqueles tempos. A não ser que eu seja um tremendo masoquista...

Certa vez um aluno meio gordinho veio se espremendo entre as mesas e eu disse em tom de zombaria, "lá vem o gorducho"... ele, assim como vinha, deu meia volta e foi se esquivando das mesas se contorcendo todo, prestar queixa à Dona Tércia que também gorda, coitada, veio se espremendo e ao chegar junto de mim fuzilou:

"Ele é gordo mas é bem educado, você é magro e mal educado." Ato contínuo, tacou um beliscão daqueles no meu braço magro jogou-me contra a parede, onde fiquei até o final das aulas naquele dia.

Ceres, (deusa romana da agricultura) era uma linda garotinha bem comportada, que literalmente enfeitiçou o meu coração com os seus olhos lindos e tristes. Sentava perto de mim e eu sentia o perfume que ela usava. Ceres nunca soube, mas foi o meu primeiro grande amor..

Usava-se um tal de Sapato Tank que tinha um emaranhado de chapinhas de ferro no solado. Lembro de dois irmãos, oriundos de Macáu, RN, que na impossibilidade de ter cada qual seus próprios sapatos, usavam um mesmo par, cada um em um pé diferente e uma mancha de iôdo no outro pé, simulando um ferimento.

Um desses irmãos adorava beber a tinta dos tinteiros, vivia com a lingua como quem come azeitonas, roxa. Dona Tércia costumeiramente implicava com um deles e dizia no maior desdém: "Você, ao continuar desse jeito não chegará a ser ninguém. Não vai dar para nada."

Pois bem, contrariando a tudo e a todos, esse garoto se transformou em um empresário riquíssimo. Grande negociante no Recife, mora em uma fazenda no interior do estado para onde vai e vem de helicóptero.

Uma das maneiras, de afirmar o "maketing" da escola era poder contar com a presença de ex-alunos que de certa forma tiveram sucesso na vida. Essas personalidades vez por outra nos visitavam e deixavam nos alunos daquela geração que se estava formando, o exemplo a ser seguido. Ficavamos, quando das visitas, em estado de extase, absolutamente maravilhados. O meu primo Wilson Santa Cruz, por exemplo, que alcançou o alto oficialato no Exército foi aluno e orgulho da escola. Roberto Pessoa Ramos, heroi da FAB também foi aluno da escola e esteve por lá de visita após a guerra. Motivo do maior orgulho ter um heroi na nossa escola.

Aquilo que aprendemos na mais tenra idade jamais será esquecido. Nunca esqueci Dona Tércia Bonavides e sua pequena escola. A vida seguiu seu rumo. Guardo dentre as minhas lembranças outras escolas e outros colégios como o Pio X com seus abnegados Irmãos Maristas o Liceu, o Professor Nery, (onde tive lições de Esperanto), Professor Otacilio, juntamente com seus Mestres e "Lentes" de todas as materias.

As amizades que fizemos e que cultivamos até hoje. Um amigo desses tempos chamou-me a atenção outro dia: "Você se dá conta que nos conhecemos desde o Jardim de Infância?

É. Acho que antigamente a escola era realmente risonha e franca.

4 comentários:

Anônimo disse...

Hugo, o texto citado em seu artigo é de Joaquim Manuel de Macedo, intitula-se "Torrão natal" e faz parte de uma famosa antologia dos nossos tempos de ginásio, a Antologia Nacional, de Fausto Barreto e Carlos de Laet. Não me conformo não possui-la mais, nem a encontrar nos sebos. Se alguém encontrar e quiser me fazer o favor... Carlos Mello

Anônimo disse...

Eu também estudei nesta escola, no anos 60. Foi a base de tudo na minha vida, tenho boas lembrancas. Meu irmão in memoriam DJALMA PORTO estudou lá nos anos 50 depois formou-se em medicina. Quem estudou lá lembra de seu FERREIRA filho de escravo da família, ele passava o dia torrando café na porta do quartinho que ficava no quintal.

Marcia Barcellos disse...

Que lindo o seu relato, um verdadeiro encanto ! Que saudade você deve sentir... E a Ceres? A garotinha lhe enfeitiçou mesmo! Recordar é viver a alegria de momentos passados no tempo , mas no coração jamais!!!
Abraços. Márcia.

Unknown disse...

Hugo, gostei muito do seu comentário acerca do texto de J.M.de Macedo. E foi buscando esse texto, guardado na minha memória da infância, é que cheguei no seu comentário.
Fiquei feliz de saber que outras pessoas também tem, como eu, boas lembranças do tempo em que os livros de leitura eram mais amados.