sexta-feira, dezembro 08, 2006

RECUERDO - O MILAGRE PELO AVESSO

Luiz Gonzaga Lopes

Entrou em casa excitado. Chamou a mulher, às pressas, e falou-lhe da novidade:

- Deu no jornal que hoje à noite, na televisão, um parapsicólogo vai fazer milagres. A mulher e os filhos encheram-no de perguntas, mas ele não soube explicar o que vinha a ser um parapsicólogo.

Procurou clarear o assunto, falando a respeito dos milagres da parapsicologia. Segundo disse, eram diferentes daqueles que as pessoas estão acostumadas a ver nas "outras religiöes".

Os padres e os pastores quando se apresentam nos estádios de esportes, todo mundo já sabe do que se trata: é o cego que torna a ver; o aleijado que volta a andar; o mudo, a falar; o surdo, a ouvir; e casos parecidos.

A ele não interessava esse tipo de milagre, pois ouvia bem, falava bem, andava bem e via bem.

Os do parapsicólogo, não. Interessavam, e muito!

Eram maravilhas que se materializavam de maneira surpreendente: "copiar através do pensamento os desenhos que os outros tinham feito sem ninguém ver"; "quebrar cabo de colher, de garfo e de faca"; "movimentar ponteiro de bússola"; "consertar relógios desmantelados", e outros tantos fenômenos, que nem mesmo a televisão dizia o que era. Apenas recomendava
colocar o maior número possível de objetos em frente ao televisor, e aguardar, pois coisas admiráveis poderiam acontecer.

Isso, sim! Às nove em ponto, estava no pé da conversa. Televisor ligado para o canal do milagres. Bem em frente, sobre uma mesinha, colocou o velho despertador, quebrado há mais de dois anos. Em boa hora, lembrou-se, e trouxe, também, o ferro de engomar,
encostado há quatro ou cinco meses, com a resistência queimada. Pensou até na economia que ia fazer.

- "Uma cajadada e dois coelhos". Sem gastar um centavo, resolveria dois problemas de uma só vez!

Mal começou a apresentação, ele estava com todos os sentidos concentrados em parapsicologia. Por falta de fé, o relógio não deixaria de voltar a funcionar, nem o ferro deixaria de esquentar.

Seguiu àrisca as recomendações, fazendo tudo direitinho, conforme o "santo" mandava. Estava ali, cheio de fé na força da mente.

Terminado o programa, tratou de comprovar os milagres. Primeiro o despertador. Encostou-o ao ouvido: não funcionava. Parado como acontecia há dois anos. Talvez um impulso e ele voltasse a despertar. Sacolejou-o, nada. Sacolejou-o outra vez: caiu o ponteiro dos minutos.

Desistiu do relógio. Faltava o ferro de engomar. Se o ferro esquentasse, estaria concretizado o milagre. Seria uma meia vitória, mas o suficiente para manter elevado o nome da parapsicologia.

Depois de cinco minutos ligado à tomada elétrica, o ferro permanecia frio. Tão frio quanto antes.

Sobre a mesinha instalada em frente ao televisor, os outros objetos: garfo, faca, colher, relógio.

Decepção total.

O homem, que há pouco transbordava de esperança, era agora, a imagem triste do desencanto.

Cabisbaixo, ia recolher tudo, quando caiu no divã, sem fala. Naquele momento, de olhos esbugalhados percebeu o milagre: o televisor--- seu magnífico televisor --- gigantão de vinte e nove polegadas, a cores, havia se transformado num pequenino, de aparência cansada, preto e branco.

Um comentário:

Unknown disse...

Isto e o que eu chamaria de um final inesperado. Parabens ao autor!!!!