sábado, julho 29, 2006

Recuerdo 10 - Sargento Machado, Aragarças, Vôo 254, Planeta Marte e Quejandos

Sargento Machado, Aragarças, Vôo 254, Planeta Marte e Quejandos

Há apenas alguns meses trabalhando quando um certo dia, colega avisa baixinho, ao ouvido, “o 254 voou no pau.” Estupefação, alvoroço. Era o que sabíamos. O 254 era um vôo originado no Rio de Janeiro às 10.00 da noite que chegava ao Recife às 4.40 da manhã do dia seguinte. Ao cabo de algumas horas descobrimos com certo alívio, que não fora um acidente. O Constellation da Panair, Vôo 254, havia sido seqüestrado, juntamente com um mono-motor particular, por rebelados da Força Aérea e tomado o rumo de Aragarças, Goiás. Os insurretos pretendiam bombardear os palácios Laranjeiras e do Catete, no Rio, e ocupar as bases de Santarém e Jacareacanga, no Pará, entre outras. Completa loucura.

Na realidade, nem o bombardeio aos palácios, nem a ocupação das bases chegaram a acontecer, e a revolta ficou restrita a base de Aragarças. A rebelião durou exatas 36 horas. Seus líderes fugiram nos mesmos aviões para o Paraguai, Bolívia e Argentina, somente retornando ao Brasil no governo de Jânio Quadros. Dois desses líderes se tornaram famosos. Principalmente pela reincidência, pela insistência. O Major Haroldo Veloso e o Capitão José Chaves Lameirão antes de Aragarças lideraram uma outra revolta em Jacareacanga. Todos os rebelados foram beneficiados pela anistia concedida logo depois pelo Congresso, por solicitação expressa do presidente Juscelino.

Fins de 1960. Boa Viagem, praia aprazível transformando-se em bairro de classe média alta. Morávamos todos da mesma turma da Panair em um apartamento com governanta e tudo a que tínhamos de direito. No andar de cima morava o sargento Machado, da Aeronáutica. Sujeito simpático, boa pinta, vivia com a família. Ao mesmo tempo em que de certa forma “protegia” uma lourona moradora do apartamento junto ao nosso, comissária de vôo da Real Aerovias.

Místico. Lia livros espíritas e gostava de conversar sobre discos voadores. Disse haver feito várias viagens ao planeta Marte. Certa vez fora convidado a conhecer como eram construídas as estradas de rodagem. As BRs, de lá. Primeiramente os marcianos delineavam o trecho onde seria a rodovia. Depois com o auxilio de possantes máquinas voadoras revolviam todo o terreno. Em seguida outras máquinas mais poderosas sobrevoavam o trecho a baixa altitude empregando um alto teor de calor até o terreno selecionado ficar completamente incandescente e logo a seguir, no resfriamento, tornar-se em vidro espesso. Por causa dessas conversas, bastante agradáveis por sinal, eu tive uma experiência chamada “desdobramento”.

De acordo com a minha mulher, espiritista juramentada, o "desdobramento acontece quando você se descola do seu corpo podendo, entretanto, voltar. São supostas experiências fora do corpo realizadas por qualquer um, em estado de vigília, acordado, via meditação ou técnicas de relaxamento."

Explico: estava eu deitado de bruços na minha Patente Faixa Azul, após o almoço, nem dormindo nem acordado, olhando as coluninhas do espelho da cama que em dado momento tornaram-se enormes como as colunas dos templos gregos. Ato contínuo, sinto que deixo o meu corpo, flutuo até o forro olho para baixo e me vejo deitado na cama. Isso durou muito pouco tempo mas o suficiente para sentir que algo estranho estava acontecendo. Voltei digamos, ao normal, e não falei com ninguém a não ser com o sargento Machado. Não recebi explicação convincente mas ele aproveitou para falar mais uma vez sobre discos voadores, espiritos superiores, Planeta Marte, Ramatís e quejandos. Telefonei para o meu pai. Precisava da sua ajuda sendo ele também espiritista. Nessa época os telefonemas interurbanos não eram essa maravilha de hoje. Era aos berros. Seria mais fácil para o meu pai ouvir lá em João Pessoa os meus gritos do que a conversa pelo fone. Expliquei o tal episódio mas ele simplesmente perguntou se eu não havia andado bebendo um pouco demais...

Mas tudo isso foi somente para situar a pessoa do sargento Machado, heroi do presente recuerdo, que apesar de místico e muito boa gente, soube agir com firmeza quando assim se tornou necessário.

Uma noite nos aparece, assim saído do nada, um ex-militar, remanescente de Aragarças completamente embriagado, cabelos desgrenhados, olhos no melhor estilo Jânio Quadros, (um olho virado para o leste e o outro para o oeste) tirando o sossego do prédio, querendo porque querendo subir para o apartamento da lourona, a quem parecia conhecer muito bem. Coisa de "antigo caso desmanchado". A moça não denotava nenhum interesse em descer e muito menos, atender aos lancinantes e pungentes apelos do xaroposo ex-milico, que variando dos berros aos soluços, lhe implorava que viesse encontra-lo.

Entra em cena, devidamente encorajado pelos moradores, que a essas alturas estavam em suas janelas a assistir ao deplorável espetáculo, o sargentão, que logo tirou a camisa a fim de intimidar com seu físico o elemento insuportável. Não surtiu o mínimo efeito. Apelou então para a "diplomacia".

- Olha aqui, meu amigo....
- O "amigo" berrava, a voz pastosa: amigo porra nenhuma, eu preciso falar com a Angelina...
- A Angelina está voando, de serviço.
- Eu não admito...quero a Angelina...olha aqui...seu merda...sabe com quem está falando?
- Sei. E por lhe conhecer muito bem, quero que vá se retirando...
- E sou o capit... não conseguiu terminar... Levou um soco tão bem aplicado na boca que o sangue espirrou manchando a camisa amarela enquanto desmaiava.

O sargento então o arrasta pela gola até o portão, pára um taxi que passava sacudiu aquele molho de gente dentro e diz ao motorista..."leva esse canalha pra qualquer lugar...de preferência a delegacia de policia."

Santo remédio. Nunca mais fomos importunados pelo "heroi". Nem nós nem a Angelina que logo após o acontecido iniciou um romance com um dos dos nossos colegas de trabalho e vivia em nosso apartamento. De minha parte, constatei com certo alívio, que houvesse acontecido realmente a "revolução" de Aragarças, onde estaríamos nós, amarrando o nosso jumento!

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