segunda-feira, fevereiro 01, 2010

Quem será o tal Nonô?

Moacir Japiassu acaba de lançar, pela Editora Nova Alexandria, seu nono livro,– Carta a uma paixão definitiva. Publicamos aqui uma das crônicas que fazem parte do livro. Moacir é autor de Unidos pelo vexame, A Santa do cabaré, Concerto para paixão e desatino, Quando alegre partiste (romances), O sapo que engolia ilusões (contos) e Danado de bom (culinária). Publicou também Jornal da ImprenÇa, antologia das melhores críticas à mídia brasileira que fez durante anos em revistas e que hoje faz no site www.comuniquese.com.br.

Moacir Japiassu


À saída do Leme Palace Hotel, no Rio, senti a mão agarrar-me o braço. “Míster, ô míster!”, gritou no meu ouvido o sujeito grandalhão, barba por fazer, sua­do, camisa aberta ao peito. Era motorista de táxi querendo passar a perna em turis­ta. Nessas horas costumo fazer cara de mau e carregar no sotaque nordestino.

“Oxente, cabra besta! Vai segurar o braço da tua mãe!”, disse-lhe, num entredentes à moda do Capitão Virgulino, nosso consi­derado Lampião. O motorista ficou per­plexo, jamais esperaria semelhante “fora” de um senhor ruivo, engravatado, hospedado em hotel carioca. Eu tinha to­da a pinta de gringo e, conseqüentemen­te, otário.

A vida inteira me vi em situações semelhantes, a pagar pedágio por ser ruivo em terra de gente morena. Em com­pensação, tratam-me como a um igual se estou nas ruas de Paris, embora, tanto lá quanto cá, cause certa estupefação se abro a boca e falo... Estou, porém, acostumado a driblar essas dificuldades e a experiên­cia me ensinou a falar o máximo possí­vel no Brasil e guardar prudente silêncio em país estrangeiro, excetuando-se Portu­gal. Aqui, de qualquer modo, sofro mais, pois além dos facínoras do volante sou as­sediado por vendedores de souvernirs , garçons e maitres , mendigos de toda sorte (?) e, principalmente, assanhadas senho­ritas da noite.

Aflição maior, todavia, assalta-me quando reencontro velhos companheiros ou conhecidos de lugares onde estive al­gum dia. Cumprimentam-me; abra­çam-me; fazem as mais embaraçosas perguntas. Quem são, Deus meu?! Como sou, talvez, o único ruivo que esse pessoal co­nhece, levo grande desvantagem; afinal, se não me podem confundir com outrem, a mim me resta a mais completa confusão. Aliás, até inventei um ardil, na tentativa de equilibrar um pouco as emoções de tais reencontros.

“Consideradíssimo!”, exclamo, quando o desconhecido se aproxima com amistosas palavras. O “consideradíssimo” permite-me algum tempo para forçar a memória, a garimpar um nome ou situação. Às vezes fracasso e, depois da interjeição, parto para outros artifícios, como “criatura de Deus”, “gente boa”, “cabra da peste” e tantos outros destroços capazes de me manter à superfície em tão desesperador e tempestuoso oceano.

Certa vez, caminhava distraído pelo centro da cidade, a redigir mentalmente um “causo” nordestino para a falecida revista Status , quando um alinhado senhor barrou-me os passos. “Moacir, que satisfação! Venha de lá um abraço!”. Nos abraçamos com alegria. Quem seria? Pa­ra me chamar de Moacir, talvez fosse amigo de infância mas ele era bem mais ve­lho. Seria paraibano? Não lhe notei sota­que. Quem sabe, mineiro, chegado à mi­nha família nos anos em que vivemos em Belo Horizonte.

Resolvi arriscar: “Há quanto tempo, criatura de Deus!, bradei, com a mais sonora intimidade. “Ora, não faz tanto tempo assim...”, respondeu. Preocupado, engatei uma segunda: “É que quando a saudade é grande o tem­po dobra”, menti; ele quis saber de minha mãe! “Como vai dona Neusa? Diga a ela que o retrato do Nonô ficou ótimo e vou mandar uma cópia pelo correio. Você vai querer uma?”.

- Quem, eu?!

- Claro! O Nonô te adora. Aliás, ele gosta mais de você do que do Celso...

Diabos, o homem conhecia a minha família inteira! Celso é meu irmão. Quem seria o tal do Nonô? Agradeci, ele pergun­tou se mandaria para minha casa ou pa­ra o jornal. O endereço, o desconhecido sa­bia, só pediu confirmação do CEP. Nos despedimos com outro abraço, ele rogou que o recomendasse à minha mulher e filho.

Perdi o rumo de meus passos e o fio do “causo”, após tão desastroso encontro. Puxei, feri a memória inutilmente. Jamais tinha visto aquele homem em minha vida. Minha mulher também não fazia a míni­ma idéia, apesar da descrição detalhada que fiz. Fiquei com o Nonô na cabeça, tele­fonei para minha mãe: “Você conhece al­guém com esse nome?”. Ela jurou que não. “Pois você vai receber um retrato dele”, avisei. Dali a menos de uma semana che­gou lá em casa um envelope, com carimbo da cidade de Ponte Nova, Minas; dentro, o retrato de um soldado da Polícia Militar, abraçado a enorme cachorro pastor ale­mão. Na dedicatória, apenas rubricada e ininteligível, lia-se: “Taí o Nonô. Não está uma beleza? Ruth manda grande abraço e diz que o fígado tá jóia”.

Minha mãe, que morava na cidade de Cunha, interior de São Paulo, também recebeu uma cópia do retrato e achou que Nonô fosse o cachorro. Isso se passou há onze anos. Nunca mais tive qualquer notícia daquele tão íntimo estranho.

Um comentário:

Hugão disse...

Não seria o Juscelino, consideradíssimo? Hugo