quinta-feira, janeiro 21, 2010

Quênia 1982: O Rebanho do Padre Leonel


Palmari Lucena


Acordei hoje com um lembrete do meu computador comunicando o aniversário do Padre Leonel, um amigo colombiano que não vejo há muito anos. Conhecemos-nos em Nairóbi, no Quênia, em 1982, de onde eu dirigia o programa de ajuda humanitária da igreja católica. Padre Leonel trabalhava em uma missão localizada na região de Marsabit, aproximadamente 560 quilômetros de Nairóbi.

Nossa amizade cresceu durante suas visitas infreqüentes ao meu escritório para fazer pedidos de ajuda alimentar, material de perfuração de poços ou medicamentos. Não demorava muito. Conversava pouco, conseguia o que queria e retornava as pressas para seu trabalho missionário junto as tribos nômades de Marsabit. Pausava às vezes na saída em frente de um pôster, com uma frase de Dom Helder: “Quando eu dou comida aos pobres, me chamam de santo. Quando eu pergunto por que os pobres não têm comida, me chamam de comunista.” Sorria timidamente, com um riso encabulado de uma criança, como se querendo dizer algo sobre sua própria missão. Talvez algo como: No soy ningún de los dos, solamente quiero la reconciliación y la paz entre los hombres, entre los pueblos...

No meu segundo ano no Quênia, o Padre Leonel apareceu no meu escritório pedindo um financiamento urgente para um “projeto especial” que ele havia criado em Marsabit. Pedi detalhes para justificar a doação. Depois de uma longa pausa e com certa relutância, o Padre Leonel explicou que precisava de dinheiro urgentemente para estabelecer um projeto de reconciliação intertribal. Mais detalhes. Uma espécie de fundo rotatório para a compra, criação e doação de caprinos aos clãs, anciões e famílias do povo Boran. O que caprinos tinham a ver com reconciliação, perguntei. O padre foi direito ao assunto. Anciões do povo Boran estavam oferecendo dotes de casamento em forma de animais a familiares de noviças do seminário católico. Ele temia, com muita razão, que as propostas dos anciões seriam aceitas devido à pobreza, ignorância, e à situação desigual da mulher na cultura nômade.

Argumentei que pagar resgate não era uma maneira sustentável de manter as noviças no convento e ao mesmo tempo, promover desenvolvimento. A resposta foi curta e muito clara. O Padre Leonel encarava o problema das noviças como um desafio apresentado pela falta de desenvolvimento humano, não como uma simples transação, ou seja, o pagamento de um resgate. A solução que propunha era muito simples. Primeiro, compraria caprinos para organizar um “banco caprino” na região; segundo, ofereceria créditos de caprinos às famílias das noviças – uma espécie de cheque pré-datado – para evitar a aceitação dos dotes dos anciões; e terceiro, organizaria conselhos comunais, envolvendo famílias e anciões, para estratégias de reposição dos rebanhos caprinos e para resolver os conflitos causados pela oferta ou rejeição de dotes. Solução típica da mente ágil do Padre Leonel. Ele acreditava que a caridade cristã e o desenvolvimento humano caminhavam de mãos dadas. Ele me ensinou naquele dia uma lição de vida muito importante. Convenceu-me, com um gesto simples e considerado, de que o desenvolvimento humano e a democracia não são possíveis sem a paz; que a injustiça cresce quando predomina a indiferença e o desrespeito à condição das pessoas mais vulneráveis de qualquer sociedade. Bati o martelo! Com um cheque de dez mil dólares e um enorme sorriso no rosto, Padre Leonel partiu do meu escritório para criar o primeiro banco capitalizado com caprinos, a principal moeda do povo nômade da região.

!!Feliz Cumpleaños!! Que Dios te bendiga, mi hermano. Que continues a crer naquela famosa frase de Benito Juárez, que me ensinaste: “Entre los individuos, como entre las naciones, el respeto al derecho ajeno es la paz”…

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